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alt havia começado o ano de 1941 acreditando que FANTASIA seria o veiculo para o renascimento de Mickey Mouse. Mas terminou com múltiplas imagens de morte. A morte de seu pai, a morte do seu estúdio, a morte do seu espírito criativo. Desde então, sentindo-se traído por sua “família” de grevistas, reagiu da mesma forma que o pai, abandonando-os ao terreno comum da animação que haviam compartilhado. Walt nunca mais realizou nada que se comparasse às suas realizações do período de quatro anos compreendidos entre BRANCA DE NEVE e FANTASIA e por cerca de 20 anos, Disney pouco interferiu na produção do estúdio, mantendo-se ausente em praticamente todas as criações.
Mas em 1962, depois de 101 DÁLMATAS, Disney relançou com sucesso, um dos seus fracassos comerciais, FANTASIA. O renascimento do filme foi impulsionado por várias críticas entusiasmadas dos jornalistas da época.
A critica reanimou Disney, induzindo-o a agir nem tanto em razão do louvor que, achava, há muito era devido à FANTASIA, mas pelo elogio excessivo. Disney, então, sentiu-se compelido a realizar outra obra-prima, agora pela ultima vez. Para sua grande despedida, ele espreitou uma vez mais o prisma de sua alma , a fim de produzir algo que seria a síntese de sua grande obra. No filme, com as cores vivas de uma radiosa comedia, sombreado por conteúdo emocional e redimido pela alegria física, Disney finalmente iluminou por completo sua visão de fada madrinha personificada por uma pequena e doce babá inglesa, conhecida como Mary Poppins.
Quando a produção começou, Walt viu-se obcecado por MARY POPPINS como não ficara por nenhum outro filme, animado ou não, desde VOCE JÁ FOI A BAHIA? Trabalhou durante meses, dia e noite, mudando-se para o escritório no estúdio, como fizera com freqüência nos velhos tempos. Exigiu que tudo, mesmo o detalhe mais insignificante, fosse executado exatamente como queria e não lhe importava quanto tempo ou dinheiro fosse gastos até se dar por satisfeito.
Esse envolvimento incansável e obsessivo patenteou-se na tela. A mistura perfeita de ação real e animação de MARY POPPINS transformaram o romance original, uma serie de episódios mal relacionados, em uma descrição da natureza da fantasia infantil. Em MARY POPPINS, Walt criou um mundo onde a identidade, felicidade, expressão e satisfação eram determinadas somente pelas alegrias da liberdade física. Um mundo, como Mary informa ao sr. Banks, um tipo decididamente nada físico, onde nada tinha de ser explicado.
Disney alem disso, “estabeleceu uma relação” com os personagens da família do filme, como sendo um autobiográfico quebra-cabeça emocional, cujas peças pareciam preencher as lacunas de sua obra. Os dois filhos de Banks, Jane e Michael, evocam as imagens de Walt e Roy (seu irmão) na infância: os rebentos obedientes, reservados, traumatizados, de um pai disciplinador e desprovido de humor e de uma mãe amorosa, mas ineficaz. A estrutura emocional e física do Sr. Banks liga Walt a Elias (seu pai, completo, e até com o fino bigode), no papel de um chefe de família benevolente, mas pouco amoroso.
Mary Poppins, por seu lado, é irreal, literalmente uma fada, embora de algum modo consiga reter a essência de uma “mamãe” real. Ela pode ser firme, adorável, mágica e, quando necessário, autoritária sem excessos, em sua determinação de salvar as crianças Banks e humanizar seus pais. Também ela espelha uma imagem de Disney, o qual foi, a seu modo, a melhor babá a serviço da eterna infância.
Bert, o limpador de chaminés e principal musico da banda de um homem só, entretém uma multidão no parque com um numero mambembe, reminiscências do passado de Disney – o estagio inicial da carreira do jovem, que cresceria e se transformaria no homem dos sete instrumentos, à frente do próprio estúdio. Bert também possui o dom de desenhar, e seus esboços na calçada, dispostos em seqüências semelhantes a tantos storyboards de filmes de animação, transformam-se em passagem para o mundo mágico da diversão. E assim somos introduzidos ao magistral tema visual, a jornada redentora que nos leva, através dos desenhos mágicos, do restrito mundo da realidade adulta ao mundo livre da fantasia infantil.
Em MARY POPPINS, a liberdade é definida como um desprendimento do jugo que o tempo impõe, a liberação, enfim da alma. Quando, no clímax do filme, o Sr. Banks passa por sua transformação e é humanizado, juntamente com o excêntrico banqueiro Sr. Dawes Sênior, a impressão é novamente de grande liberação. Muito mais que aos personagens de comportamento infantil e crianças adquirindo um novo senso de maturidade, o filme realça adultos sendo redimidos pela liberação da eterna criança em seu interior. MARY POPPINS é a magistral descrição do eterno triunfo da esperança sobre o ceticismo, da juventude sobre a velhice, da vida sobre a morte.
É o grandioso monumento de Disney à imortalidade.
O filme foi indicado à 13 Oscars e recebeu cinco – os de Edição, Som, Canção, Efeitos Visuais e Atriz. Julie Andrews, a favorita desde a humilhação sofrida na escolha do elenco de “My Fair Lady – Minha Bela Dama”, ironicamente venceu a disputa com Audrey Hepburn, indicada ao Oscar pelo papel que justamente seria de Andrews.
Ainda assim, essa conquista foi obscurecida por nuvens de desesperança. Disney tornou a mergulhar em profunda depressão. Por ironia, foi o enorme sucesso de MARY POPPINS que a desencadeou. O acontecimento que lhe proporcionara sensação de redenção pessoal e profissional, embora por breve período, foi seguido pelo letárgico desalento de se saber incapaz de superá-lo.
Spoiler Rating: 86
LBC Rating: ~
Por Marc Eliot - O Príncipe Sómbrio de Hollywood