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13.7.07

Mel Gibson faz sua "Paixão de Maia"

Quando era adolescente, segundo contou em entrevistas, Mel Gibson era chamado de "Quase" por um valentão da escola que o perseguia. Era o maior insulto de que poderia ser alvo, disse. Remete a uma passagem do livro "Apocalipse", do Novo Testamento, que afirma: "Assim, porque és morno, e não és quente nem frio, vomitar-te-ei da minha boca".

"Quase" é como um valentão maia urbano chama Pata de Jaguar, membro de uma tribo rural, que é o herói do novo longa do polêmico ator e diretor nova-iorquino. Seu épico maia do século 15, "Apocalypto", estreiou ontem em São Paulo. É mais uma tentativa de Gibson de não ser um quase-diretor em Hollywood, cidade que devora quase-diretores no café da manhã.

Conta a história do jovem caçador e guerreiro Pata de Jaguar, que tem de passar por extremo sofrimento para alcançar a redenção. Nesse sentido, lembra o filme anterior que Gibson dirigiu, "A Paixão de Cristo", e também porque é todo falado numa língua que não o inglês -o iucateque nesse caso; aramaico e latim, naquele.

Também não chega sem polêmicas, o que valeu ao filme o apelido de "A Paixão do Maia". Se o "Paixão" original rendeu ao diretor a acusação de anti-semita -só reforçada pela batatada que fez ao ser parado dirigindo embriagado na Califórnia e culpar os judeus "por todas as guerras do mundo"-, "Apocalypto" foi criticado por retratar uma civilização avançada como um bando de carniceiros selvagens e por cometer erros históricos.

É racista, disseram ativistas indígenas da Guatemala, por onde se espalhava boa parte do império maia. "Mel Gibson reproduz um conceito ofensivo e racista de que o povo maia era bruto e que por isso não só merecia como necessitava do "resgate" dos europeus brancos", disse Ignacio Ochoa, da Fundação Nahual, de cultura maia.

É errado, disseram historiadores, porque mistura épocas -acredita-se que o declínio do império tenha começado no século 8, talvez pela destruição ambiental causada pelo excesso de gente, e não no século 15, por decadência moral e pela chegada dos primeiros espanhóis. "Eu desprezo o filme", disse Julia Guernsey, professora de história da arte da Universidade do Texas. "É como se alguém fizesse um filme sobre a sociedade norte-americana e colocasse Madonna e Marilyn Monroe no mesmo carro."

Nem todos pensam assim. "Pode-se argumentar que "Apocalypto" desumaniza os nativos americanos, fazendo de seus antepassados monstros, mas acho que faz o oposto", escreveu Craig Childs, autor do livro "House of Rain", sobre civilizações desaparecidas na América.

E completa: "Caçadores oprimidos são apresentados como pessoas com as mesmas emoções universais de todos os humanos. E os maias urbanos são retratados como sábios políticos e religiosos". O filme não foi bem de bilheteria nos EUA. Os produtores esperam que os espectadores internacionais vejam a obra e a julguem sozinhos.

Quando Mel Gibson anunciou que faria um filme sobre o fim do império maia, depois de ter cometido o infame "Paixão de Cristo", muitos esperaram algo ainda pior. Imaginava-se que o diretor levaria mais longe a imposição da violência obscena, tal como vista nas imagens do martírio cristão, em nome de uma suposta autenticidade. Quem esperar isso de "Apocalypto" não se enganará, mas aqui o diretor submete suas fixações a outro modelo de cinema, e o resultado não decepciona.

Pois a busca por uma autenticidade (lotada de equívocos históricos, segundo especialistas em culturas pré-colombianas) não visa aqui a uma suposta verdade original. É o investimento monumental na direção de arte e no desenho de produção que leva "Apocalypto" a alcançar seu principal objetivo: ser um espetáculo de ação de tirar o fôlego.

Nessa história de martírio, o que interessa a Gibson é menos transitar pelo terreno da espiritualidade. O modo como constrói o filme, remetendo-o a uma estrutura do cinema americano clássico dominante desde que Griffith estabeleceu os códigos da ação e da emoção há quase um século, entrega ao público aquilo que ele mais procura: entretenimento.

Apesar de o diretor alegar ter feito uma crítica à lógica de dominação dos impérios (tendo as atitudes bélicas de George W. Bush na mira), isso pouco importa. O que Gibson de fato realizou tem a ver com sua fixação no martírio do herói, tema que o persegue desde os tempos de ator, quando se tornou célebre na série "Mad Max".

Em vez de um épico histórico sobre povos extintos ou uma reinterpretação metafísica da chegada do homem branco às Américas (como "O Novo Mundo", de Terrence Malick), Gibson optou por um espetáculo em ritmo de game passado na selva. E conseguiu plenamente.

Spoiler Rating: 85
LBC Rating: 59


Por Sérgio Dávila & Cássio Starling Carlos - Folha de São Paulo
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