
Muita gente, a julgar pela coerência da carreira desse inglês nascido em 1936 e que se empenha em fazer um cinema social como se acreditasse em cada filme seu como modesta contribuição para a mudança de um mundo do qual ele não gosta. E, se continuou fazendo esses filmes sob Margareth Thatcher, por que não continuaria a fazê-los sob Tony Blair, o aliado automático de Bush?
Neste Ventos da Liberdade (no original The Wind that Shakes the Barley), Loach e seu roteirista de sempre, Paul Laverty, retornam aos anos 1920, na Irlanda, quando começa a luta armada contra a ocupação inglesa no país. Por um lado, existe a multiplicidade de personagens, pois o que importa é a ação social e nem tanto o indivíduo. Por outro, o drama pode também ser descrito a partir de dois irmãos, um deles já engajado na resistência aos ingleses, o outro um estudante de medicina que deseja apenas cuidar da própria vida e da saúde alheia. Pelo menos até o momento em que testemunha um ato de barbárie e tortura do invasor inglês e resolve então se engajar na resistência e pegar em armas. Temos aqui uma técnica de superposição do destino individual e do coletivo que funciona muito bem do ponto de vista da dramaturgia. O que significa dizer que o filme não apenas se propõe como analítico, de um ponto de vista histórico, como emocionante, do ângulo individual.
Jogando na reflexão como na dramaticidade, Ventos da Liberdade mostra como o opressor se vale da divisão interna entre os resistentes para se impor. É um belo e denso trabalho, que, claro, pode ser interpretado de várias maneiras mesmo porque não se propõe como parábola exemplar. Na primeira leitura, talvez seu sentido mais urgente seja este: a necessidade de identificar aliados e não confundi-los com o outro lado. Loach, um cineasta de esquerda, enxerga a sociedade estruturada por seus conflitos e não por uma suposta harmonia entre contradições, essa ficção liberal dos nossos tempos. Para ele, na Irlanda dos anos 20, como em qualquer outra parte nos dias de hoje, trata-se de buscar alianças para avançar em terreno dividido. Isso é política.
Preste Atenção...
... na forma como o diretor Loach e seu roteirista Paul Laverty chegam ao coletivo por meio do individual e ao público por meio do privado. É uma história de camaradagem e heroísmo contra um fundo de guerra. Dois irmãos lutam lado a lado e, no final, estão em campos opostos. É simples e, ao mesmo tempo, terrivelmente complexo.
... na violência do filme, maior que a habitual no cinema de Ken Loach. Como disse o roteirista Laverty, a opção do diretor foi clara - 'Ken não quis mostrar a violência de forma romantizada. Quis mostrar como ela afeta a psicologia dos personagens. Não houve como fugir a uma descrição realista e brutal.'
... na forma como o diretor, fiel a seu método de trabalho, usa atores profissionais e não profissionais em cenas de grande intensidade. Quando ele tem dois profissionais em cena, como no confronto final entre os irmãos, um ator tinha o texto escrito e outro improvisava sobre suas falas. Loach filmou duas versões da cena, com improvisação de cada um deles. Na montagem, escolheu a que lhe pareceu melhor.
... no papel das mulheres na história. Elas dão todo apoio e sustentação aos homens, mas quando eles chegam ao poder apenas substituem os opressores britânicos e elas continuam marginalizadas. Loach diz que teria de fazer um filme só sobre essas mulheres, heroínas anônimas.
...no ambiente. A vila de Cork, onde Cillian Murphy nasceu e parte da produção foi rodada, é cheia de histórias de famílias enlutadas pela guerra. Os figurantes reviviam histórias ancestrais de família e isso aumenta a potência dramática.
Spoiler Rating: 88
LBC Rating: 61
Por Silvana Arantes (Folha de São Paulo), Luis Carlos Merten & Luiz Zanin Orocchio (Estado de São Paulo)