A Luz é para Todos

Elia Kazan ainda era um diretor relativamente neófito em Hollywood quando ganhou os Oscars de melhor filme e direção de 1947 por A LUZ É PARA TODOS. Dois anos depois da 2ªGuerra, o mundo ainda assimilava o horror da revelação do Holocausto quando Darryl Zanuck, o todo-poderoso executivo da Fox, quis fazer esse drama sobre o anti-semitismo do americano médio. Personagem controvertido, esse Zanuck. Foi, para o melhor e o pior, o responsável pelos filmes de conteúdo mais social que a Fox produziu entre os anos 40 e 50. E não foi fácil produzir A LUZ É PARA TODOS.

A oposição ao projeto veio justamente da rica comunidade judaica americana. Harry Warner organizou uma reunião com seus representantes, à qual Zanuck foi convidado. Entre drinques e elogios, tentaram demovê-lo de adaptar o romance de Laura Z. Robson. Disseram que a situação estava muito boa para todos, que não era bom reabrir feridas que recém iam cicatrizando. No livro com a entrevista que concedeu ao crítico francês Michel Ciment, Kazan conta que Zanuck foi curto e grosso - disse àqueles senhores que, de cinema, entendia ele. Ia fazer o filme e pronto.

Para Kazan, foi uma oportunidade e tanto. Ele ainda engatinhava em Hollywood, seguindo uma carreira ziguezagueante que chegava ao quarto filme. Kazan, diretor americano de origem turca, nascido em 1909, havia sido um dos fundadores do lendário Group Theater, que atravessou os anos 30 com uma avançada proposta estética e política. Foi o Group Theater que introduziu Stanislavski no teatro americano, tendo sido a base para o que viria a ser depois, nos 40, o Actor's Studio. Kazan não andava muito satisfeito com sua carreira. Laços Humanos, Mar Verde e O Justiceiro (Boomerangue), seus filmes precedentes, exageravam nos clímaxes e ele não sabia como administrar a interferência dos estúdios no seu trabalho.

Vale lembrar uma história divertida que Kazan também contou a Michel Ciment. Em 1936, ele fez uma viagem preliminar a Hollywood. Como ator, havia recebido um convite para atuar em Beco sem Saída (Dead End), de William Wyler. A Fox implicou com seu nome. Achou que, como Elia Kazan, não poderia fazer carreira no cinema. Foi encaminhado a um especialista do estúdio para ser rebatizado. O cara sugeriu que Kazan virasse Cézanne e, como primeiro nome, algo bem americano, sugeriu Elliott. Embaraçado, Kazan disse ao cara que já havia um grande pintor francês com o nome de Cézanne. A frase do sujeito é imortal - "Depois de um par de filmes, ninguém vai se lembrar do outro Cézanne."

Gregory Peck já era um astro na Fox, mas A LUZ É PARA TODOS foi decisivo na sua evolução para se tornar o artista consciente que foi. Ele faz um escritor que se passa por judeu, como parte de uma pesquisa. Descobre que o anti-semitismo é muito forte entre os americanos. Kazan queria que o roteiro fosse escrito por Paul Osborne e Lillian Hellman. Mas a Fox impôs Moss Hart e o diretor diz que ele fez um trabalho honesto, embora não tão duro e doloroso quanto o fariam os outros dois.

Uma cena do roteiro é exemplar. É o diálogo entre um judeu e a mulher do protagonista. São interpretados por John Garfield e Dorothy MacGuire. Kazan acha que a cena ficou prejudicada porque Garfield não tem "physique du rôle", mas a cena é forte. Dorothy conta que foi a uma festa com todos aqueles anti-semitas. Diz que foi horrível. Ele pergunta o que ela fez. Dorothy insiste no desgosto que aquilo lhe provocou. Ele também insiste - e o que ela fez? Nada.

Kazan foi comunista de carteirinha, mas nunca aceitou o stalinismo do partido. Desligou-se e até colaborou com o macarthismo. Era o primeiro a dizer que não gostava do que havia feito. A delação poderia ter destruído sua carreira. Ele se tornou ainda mais crítico da sociedade americana. Ganhou os Oscars de melhor filme e direção de 1954, por SINDICATO DE LADRÕES, e - sob vaias e aplausos - outro Oscar especial, por sua carreira, em 1999. Morreu em 2003, amargurado e pessimista como sempre viveu.

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