Segundo a lógica cruel dos modismos cinematográficos, Bernardo Bertolucci está "em baixa". Seus filmes recentes já não desfrutam o prestígio dos grandes prêmios, não caem nas graças da crítica e tampouco colhem os louros do mercado. A trajetória quase inócua de OS SONHADORES, é um bom exemplo desse limbo em que Bertolucci caiu, e que também afetou, de maneira cruel, o anterior ASSÉDIO (1998).
OS SONHADORES foi exibido pela primeira vez no Festival de Veneza em 2003, fora de competição. As primeiras reações o rotularam de "ingênuo", "risível" e até mesmo de "reacionário". O lançamento nos Estados Unidos, limitou-se a uma só polêmica: se a distribuidora deveria ou não cortar os nus frontais masculinos para que o filme pudesse receber uma classificação indicativa menos rigorosa (não cortou mas também não investiu um tostão no seu lançamento). Pouco depois, o filme caiu em um amargo esquecimento.
É difícil encontrar razões para tanto desprezo. Talvez elas estejam no fato de Bertolucci ter optado por situar seu filme em maio de 68 em Paris, uma época de difícil aproximação, por ainda estar cercada de afetos e de mitos. Opção ainda mais arriscada, talvez, tenha sido a de evitar uma abordagem mais óbvia, que fosse submissa aos ditames do cinema político tradicional. Se maio de 1968 sugeria o épico, Bertolucci optou pelo "filme de câmara"; se sugeria uma juventude militante e obstinada, ele preferiu mostrar jovens que se mantiveram à distância desse perfil.
Quase todo o filme se passa dentro de um amplo apartamento parisiense onde dois irmãos (Eva Green e Louis Garrel) aproveitam a ausência dos pais para praticar jogos sexuais e cinematográficos com o amigo americano (Michael Pitt), que eles conheceram há pouco na porta da Cinemateca Francesa. Como a belíssima casa romana que serviu de cenário para ASSÉDIO, Bertolucci filma esse apartamento parisiense como um espaço do desejo. A arquitetura interna é muito mais importante do que a exterioridade, que a certa altura invade o apartamento violentamente, na forma de uma pedra que quebra a janela (já quase no fim do filme, quando os protestos nas ruas de Paris se tornaram mais violentos).
Bertolucci não segue a cartilha do filme político, mas nem por isso abandona a política. Esta transparece no filme em outras formas, sobretudo carnal (o sexo), e espiritual (a literatura, o cinema e a música, que são temas de discussões inflamadas).
O que Bertolucci filma, com a fluidez de um diretor amadurecido, são três jovens descobrindo imensos prazeres da vida. Entre as quatro paredes de um quarto aconchegante eles recriam momentos de filmes que são evocados literalmente, em montagem paralela, comRAINHA CRISTINA, com Greta Garbo, ou MOUCHETTE, de Robert Bresson.
E, em um dos raros momentos que o filme escapa do apartamento, os três correm pelo museu do Louvre recriando a clássica cena de BAND À PART, de Godard. Detalhes que fazem de OS SONHADORES, para qualquer pessoa que ama o cinema, um sonho (erótico) particularmente maravilhoso.
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LBC Rating: ~
Por Pedro Butcher (Folha)
15.11.07
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