15.11.07

A Má Educação

Com um soco numa mão e um carinho na outra. Foi assim que o Festival de Cannes recebeu seu público na abertura oficial de sua 57ª edição (2004) com A MÁ EDUCAÇÃO de Pedro Almodóvar. Polêmico, forte, bem feito, o filme do diretor espanhol de 52 anos é um título digno do mais prestigioso festival de cinema do mundo.

Ao narrar três triângulos amorosos diferentes, que se passam em 1964, 1977 e 1980 e acabam envolvendo as mesmas quatro pessoas, o 16º longa de Almodóvar faz uma bonita homenagem ao gênero noir norte-americano ao mesmo tempo que desfere uma bofetada certeira na prática da Igreja Católica de varrer para debaixo do tapete a prática criminosa de pedofilia de alguns de seus membros. Sobram criticas para a classe artística e até ao Ministério da Cultura espanhol.

Ignácio (como o santo de Loyola) e Enrique são dois colegas de dez anos que se apaixonam enquanto estudam numa escola católica; descobertos, o segundo será expulso pelo padre Manolo, que comanda a instituição e não quer dividir o amor do primeiro --nem a possibilidade de continuar assediando-o sexualmente. Os três vão se encontrar anos mais tarde, quando Enrique virou um jovem diretor de sucesso, o pároco largou o hábito e Ignácio escreveu um texto em que conta toda a história.

Exibido fora de competição, o thriller gay é, ao lado do imediatamente anterior, FALE COM ELA (2002), o filme mais maduro do espanhol, almodovariano da abertura ao final, com seus excessos, cores fortes, flerte com a marginalidade e trilha sonora muito bem cuidada.

Duas cenas devem entrar para a lista das mais perturbadoras do cinema recente. Na primeira, acompanhado pelo padre molestador ao violão, Ignácio canta uma versão de "Moon River" momentos antes de ser atacado pela primeira vez, enquanto os coleguinhas nadam, despreocupados. É a perda da inocência, da infância e da chance de vida normal.

Na outra, canta para o mesmo padre no dia do aniversário dele outra versão espanhola, desta vez de "Torna a Sorrento", depois de ser entregue como um presente por um cúmplice do religioso. O olhar guloso do padre Manolo e a desfaçatez de seus colegas de igreja chegam a causar engulho.

Gael García Bernal, o ator mexicano, que segundo Almodóvar tem o sorriso de Julia Roberts, mostra versatilidade em três papéis, mas é como o travesti Zahara que brilha mais, uma "femme fatale" obrigatória do gênero noir, só que invertida.

Spoiler Rating: 85
LBC Rating: ~

Por Sergio Dávila (Folha)

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