4.9.07

Inútil


Em 2006, seu EM BUSCA DA VIDA tinha o risco de não ficar pronto a tempo. A opção do Festival de Veneza foi então anunciar o filme de Jia Zhang-Ke em competição sem anunciá-lo, como filme surpresa. Foi exibido e merecidamente levou o Leão de Ouro. Temos agora do mais festejado cineasta asiático o novo filme USELESS/ INÚTIL.

Jia Zhang-Ke é o cineasta chinês dos temas urgentes. Seus trabalhos registram com desconfiança os signos do progresso econômico voraz do modelo chinês de capitalismo de estado, insensível com as suas conseqüências sobre as populações e as culturas milenares da imensa China. O pior é que o modelo chinês de capitalismo voraz faz vítimas também fora da China ao vender seus produtos baratos e sem concorrência a todo o mundo.

E em 2007, a 64ª edição do Festival de Veneza, conforme nos confidenciou Jia Zhang-Ke, por pouco não tem a cópia de INÚTIL, cujas imagens de sua terceira e última parte estavam sendo ainda filmadas na segunda semana de agosto em Fenyang, na China.

USELESS dirige o olhar a três aspectos distintos da moda e confecções. Sobre quem as faz e quem as veste. A primeira parte do filme se concentra numa fábrica em Cantão, de roupas produzidas em grande escala. O calor úmido é combatido com inúmeros ventiladores. Os empregados seguem um ritual mecânico, mesmo nas refeições e nos plantões médicos. São apáticos como na relação com as roupas que costuram e que logo serão despachadas pelo mundo a clientes desconhecidos.

Na segunda parte do seu docudrama, Jia Zhang-Ke segue os preparativos finais da estilista Ma Ke que prepara uma impressionante instalação no Fashing Week de Paris. Ma Ke faz esculturas vivas, vestidas com roupas orgânicas, que por entre elas, ao contrário de outras apresentações de moda, é o público quem desfila. Ma Ke, aclamada como anti-fashion designer, também é vista em sua recém inaugurada loja de moda na China, justamente batizada como "Wu Yong" (Inútil). "É um absurdo que a China exporte tantos produtos pelo mundo e não tenha nenhuma marca conhecida pelos consumidores", ela desabafa. Sua marca "Useless", com roupas bem simples e confortáveis, ao contrário das que são vistas em sua instalação de protesto, ganha com Jia Zhang-Ke instantânea projeção mundial.

Na sua terceira parte vemos em INÚTIL a paisagem desolada da China moderna com a melancólica decadência de tradicionais ateliês de costura, onde os últimos clientes vão fazer suas roupas de encomenda. Antigos artesãos de costura trabalham agora em minas de carvão. Depois de um ritual de lavagem corporal no fim da jornada de trabalho dos mineiros, Jia Zhang-Ke prova mais uma vez ao espectador, com os poucos diálogos de um casal, porque ele é mesmo um dos grandes gênios do cinema moderno. Mais uma vez o seu filme trata de resistência e humanismo. Apesar de todas as vicissitudes, o ex-costureiro e agora mineiro, com a mulher ao lado, prepara-se para ir passear de moto. E ele tem orgulho da roupa que sua mulher está vestindo, e que ele mesmo comprou numa loja para lhe dar de presente. O modelo que ela veste certamente não está à venda numa loja de chamada alta costura, como também as vemos no filme. Não é uma roupa para ostenter pela marca, o poder de compra de quem a usa... É um signo de afeição. Um sentimento que não se perde no filme de Jia Zhang-Ke apesar de todos os riscos da modernidade.

Spoiler Rating: 76
LBC Rating: ~

Por Leon Cakoff - Mostra SP

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