Toda narrativa possui elementos básicos em torno da qual é conduzida: uma trama e os personagens nela envolvidos. Eles estão de tal forma relacionados no desenvolvimento de uma história que parecem indistinguíveis. Em algumas obras, porém, um desses elementos sobrepõe-se ao outro. Há filmes em que os personagens existem para servir a uma trama. Em outros, é a trama que serve aos personagens.
Mike Leigh é um diretor que parece preferir a segunda categoria. SEGREDOS E MENTIRAS e est GAROTAS DO FUTURO, são histórias tão centradas nas personalidades que as habitam que se poderia dizer que o roteiro se submete às suas características físicas e psicológicas.
Leigh não chega ao extremo de John Cassavetes, cujos filmes, muitas vezes centrados não só nos personagens, mas nos atores, tinham sua narrativa de tal forma submetida a eles que a duração das cenas era determinada mais pelo tempo da atuação do que pelo da narrativa tradicional.
Mas é como se o diretor britânico, antes de elaborar a sinopse, trabalhasse no desenvolvimento das personalidades que conduzirão a trama, cabendo então a elas ditar os rumos que a história deve tomar.
GAROTAS DO FUTURO narra o reencontro de duas amigas adultas que partilharam as dificuldades e inseguranças da juventude. O sentimento que primeiro aflora é de surpresa frente às comodidades da vida estável que ambas atingem, e que contrasta com o caos e decadência do momento em que se conheceram.
Alternando o desconforto inicial do reencontro com cenas do passado que revelam o início de uma relação marcada pela solidariedade e pela agressividade, o diretor Mike Leigh traça o perfil de mulheres de personalidades semelhantes e comportamentos opostos.
Tanto Hannah (Katrin Cartlidge) quanto Annie (Lynda Steadman) são personagens inseguras e solitárias. Mas, enquanto a primeira se esconde por trás de uma máscara de arrogância e humor cáustico, a outra escancara seus medos em crises nervosas.
O desconforto do início da amizade se repete no reencontro das amigas, criando um paralelismo entre passado e presente, que seguem um mesmo percurso: estranhamento, desenvoltura, intimidade e despedida.
Essa repetição contribui para uma claustrofobia recorrente nos filmes de Leigh, cuja visão possui um tipo de humor que imprime a tudo uma ironia rara, que, em vez de instigar o pessimismo, lança sobre os personagens e seus dramas insolúveis um olhar de compaixão e afeto.
Spoiler Rating: 75
LBC Rating: ~
Por Cecília Sayad
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