Filmes com muitos personagens, especialmente filmes de época, sempre são um desafio narrativo. O perigo de acumular um número excessivo de detalhes é tão grande quanto o de sonegar informações, seja sobre os protagonistas, seja sobre o momento descrito.
Como o diretor de TOPSY TURVY é Mike Leigh, um apaixonado por detalhes e atores, não é surpreendente que seu filme caia na primeira armadilha. Estamos em 1884. Sullivan (compositor) e Gilbert (libretista) são autores de operetas em crise criativa. A opereta é, em Londres, naquele momento, o mesmo que o cinema se tornaria depois: um espetáculo de grande apelo popular, com companhias fixas e despesas idem. Portanto as pressões são grandes.
Com atenção apaixonada, Leigh se deterá nos detalhes de um mundo em transformação: como era falar ao telefone -uma máquina incipiente- ou ter um dente extraído -uma tortura-, a surpresa de alguém diante de uma caneta-tinteiro.
Mas estamos também no teatro, lugar de gente temperamental, eventualmente destemperada, insegura. Dos autores aos atores, todos têm lá seus problemas, e não será Leigh que os deixará passar em branco.
Com isso, TOPSY TURVY padece do problema de todos os filmes talentosos a que falta concisão: cada cena em si sustenta-se, tem seu lugar e, quase sempre, encanto. Visto no conjunto, porém, parece que as coisas sobram.
Vejamos o final (e mencioná-lo não vai estragar nenhuma surpresa). Como se trata de um musical, e em certo sentido bastante convencional -tudo gira em torno da montagem de uma opereta-, não seria de espantar que tudo acabasse com um "grand finale". É, aliás, o que se espera.
Mas, como TOPSY TURVY também é um filme sobre bastidores -e bem mais alentado do que os antigos musicais-, nesse instante ainda resta uma pilha de fios soltos à espera de serem fechados. Leigh, que não é nenhum bobo, os fecha. Mas, para um filme de narrativa, no fim das contas, clássica, seria desejável que isso já tivesse acontecido. Ao longo de toda a história, no mais, alguns deslocamentos desse tipo também se fazem sentir.
Por outro lado, TOPSY TURVY é também um filme sobre o espetáculo em si, sobre a dificuldade de criar e a mágica que consiste em colocar um espetáculo de pé. É quase um subgênero, que Leigh trabalha com prazer, como que transportando para a tela os problemas que ele próprio deve ter sentido na pele. E o faz com vivacidade, preocupado em extrair de cada personagem a sua total verdade.
Daí este filme deixar uma impressão ambígua: o que ele tem de íntegro e de prazenteiro -o apego às coisas e personagens, o acúmulo de detalhes- é também o que impede o espectador de se vincular inteiramente a ele.
Spoiler Rating: 77
LBC Rating: ~
Por Inácio Araújo
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