22.8.07

Os Simpsons, irresistível incorreção

OS SIMPSONS virou um ícone pop americano e difundiu-se pelo mundo, como tudo que emana de lá. A primeira coisa a ser dita é que o filme é engraçadíssimo para aqueles que já são fãs da série. Em especial por brincar com ícones da cultura americana, como os atores Tom Hanks, sempre politicamente correto, e o brutamontes Arnold Schwarzenegger, austríaco de nascimento, e que se tornou governador da Califórnia. No filme, ele se torna presidente dos Estados Unidos; com inteligência limitada, é manipulado à vontade por assessores. Boas cenas, em que ele é levado a "escolher" entre alternativas possíveis, num jogo de cartas marcadas.

Aliás, a graça dos Simpsons está, e sempre esteve, em sua incorreção política, em especial a do seu personagem principal, Homer, que uma vez já serviu de base de comparação ao apresentador William Bonner para definir seu público-alvo no Jornal Nacional. Homer é um egoísta inconseqüente, que não pensa duas vezes em colocar em risco a sua comunidade pela preguiça e desleixo pessoais. É um anticidadão. Mas, a bem dizer, a sua comunidade não parece muito melhor do que ele.

A historinha do filme não poderia ser mais exemplar. Homer toma-se de amizade por um porquinho, o Spider Pig, que leva para casa. Como o animal tem de fazer suas necessidade, Homer arruma uma espécie de silo que servirá para depósito de dejetos. Quando cheio, ele o jogará no já poluído lago de Springfield, causando uma catástrofe ecológica. Que será devidamente punida pelo governo do Estado, cujas forças da lei cobrirão Springfield com uma cúpula de vidro blindado, para evitar a fuga dos moradores.

A história, em tons um tanto surrealistas, embute várias farpas em relação ao modo de vida americano, esse mesmo que eles exportam com sucesso para o resto do mundo. De um lado, a consciência ecológica, que se desenvolve ao lado da indiferença dos "maus cidadãos", como Homer. De outro, os que defendem essa consciência, outrora chamados de "eco-chatos" quando eram minoritários e não tinham poder. Agora que o têm, passam a exercer uma verdadeira tirania sobre outros seres humanos, tudo em nome da proteção do meio ambiente. Quer dizer, concluiu-se que o ser humano é um obstáculo para a preservação da natureza e, como ser indesejável, ele deve ser detido e, no limite, exterminado. Essa, a lógica da ecologia xiita colocada com muito sarcasmo pelo filme. No caso, quem a representa é a poderosa EPA (Enviromental Protection Agency).

Com sua acidez divertida, a série Os Simpsons tem sido considerada uma espécie de permanente consciência crítica de uma nação que cultiva pouco o hábito de se autocriticar. Mas é curioso verificar o que acontece com os iconoclastas no mundo da indústria cultural - logo eles são absorvidos e tornam-se negócio lucrativo. Não por acaso, este filme está sendo lançado em escala mundial, associado a uma série de outros empreendimentos tais como convênios com redes de alimentação, fabricantes de gadgets, etc. Esse é um detalhe associado. Que não teria a menor importância não fossem as repercussões do interesse comercial na própria estrutura e conteúdo dos Simpsons. Assim, talvez alguns fãs, mesmo gostando do filme (o que será inevitável) poderão sentir-se um tanto incomodados com o tom meio conformista de algumas passagens, sobretudo na parte final.

Mas, é bom que se reconheça - esse não é o tom geral. Partes finais e desfechos apaziguantes fazem parte da estratégia da indústria para alcançar públicos maiores e nem sempre os diretores têm como evitar esse tipo de ingerência. Pode ter acontecido isso não apenas com os roteiristas de Os Simpsons - O Filme, como com o diretor David Silverman. Não se sabe e, claro, eles não dirão isso em entrevistas. Aliás, essa imposição de produtores não atinge somente produtos comerciais. Está presente mesmo nos bastidores do chamado "cinema de arte". Por exemplo, conta-se que os produtores de Federico Fellini sempre imploravam a ele por um "raggio di sole" no final. Um raio de sol, uma réstia de luz, um pouco de esperança, para que os espectadores pudessem voltar para casa com o coração em paz. E nem sempre Fellini lhes dava esse gosto, pelo menos na forma mais convencional.

Assim, não seria de se estranhar que um produto que, somando-se todos os negócios paralelos, atinge cifras astronômicas, tenha sofrido esse tipo de controle estratégico de conteúdo. Em especial, como já disse, nas conclusões, pois afinal, a última impressão é a que fica e um filme de sucesso não se segura apenas com o marketing e todas as técnicas modernas de merchandising: precisa também de um eficiente boca-a-boca, o ancestral conselho que um amigo dá a outro para que não perca essa nova atração que entrou em cartaz.

O que não impede que todo o resto do filme - ou pelo menos grande parte dele - seja fiel ao espírito da série. Corrosivo, autocrítico, um espelho partido no qual os Estados Unidos podem se contemplar e rir de si mesmos. Riso amargo, que não se sabe se leva a alguma consciência real, mas pelo menos destoa da autocomplacência simplória a que estão habituados. A partir da Casa Branca, no qual um Schwarzenegger apatetado parece uma interessante caricatura de Bush.

Spoiler Rating: 85
LBC Rating: 73

Por Luiz Zanin Oricchio

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