11.8.07

Alice e o Tempo

Positivamente, ALICE NO PAIS DAS MARAVILHAS se distingue entre todos os outros filmes do estúdio por fugir do que temos em mente como "o padrão Disney": a heroína não tem nenhum grande propósito ou dilema - ela é apenas uma espectadora das coisas que acontecem ao seu redor; há pouco ou nenhum comprometimento com a realidade.

Alice é uma menina curiosa e cansada de seu mundo monótono. Acaba caindo no maluco País das Maravilhas ao seguir o apressado Coelho Branco. Lá conhece personagens como os irmãos gêmeos Tweedle-Dee e Tweedle-Dum, o Gato Risonho e a Lagarta, toma chá com a Lebre Maluca e o Chapeleiro Louco e participa de um jogo de cricket com a Rainha de Copas.

A falta de uma protagonista com maior personalidade e de um foco central para a história podem ter deixado alguns espectadores indiferentes ao filme, mas há muito que se admirar no filme, a começar por seus aspectos técnicos: com o trabalho da artista Mary Blair servindo de grande inspiração para os artistas, o mundo "de verdade" de Alice é retratado com cenários detalhados e fieis à realidade, enquanto, o País das Maravilhas é retratado com formas exageradas e irregulares, com texturas estilizadas e grandes áreas dos cenários pintadas com mínimas tonalidades de cor. Os efeitos especiais são usados em todo o seu potencial, com lágrimas gigantes transformando-se em uma enchente, a vela de um bolo estourando em fogos de artifício e o ponto alto do filme, em que o exército de cartas de baralho da Rainha desfila enquanto uma cornucópia de cores pisca diante de nossos olhos.

Alice é uma obra que permite muitas interpretações. Uma delas pode ser a de que a obra representa uma associação muito forte com a adolescência. Parece que ela entra nessa aventura sem pensar em nada, tão de repente quanto se entra na adolescência. Podemos ver no filme: “No mesmo instante, lá se foi Alice atrás dele, sem nem parar para pensar de que jeito é que ia conseguir sair depois. A toca era a entrada de um túnel, que continuava um pouco para adiante e depois descia pela terra adentro, tão de repente que Alice nem teve tempo de pensar, antes de começar a cair numa coisa que parecia ser um poço muito fundo” e “Continuava caindo, caindo, caindo. Será que a queda não ia chegar ao fim nunca ?”.

E a questão do tamanho nos faz novamente lembrar da adolescência. Ela parece integrar todos os episódios da estória. Alice está sempre crescendo e diminuindo dependendo da situação e isso certas vezes é conveniente ou não para ela.

Logo no inicio, Alice tem seu tamanho reduzido, que parece sugerir insignificância. A transformação pela qual Alice passa leva-a a refletir sobre a possibilidade de reduzir até acabar, fazendo-a “sumir completamente, como uma vela”. O tamanho pequeno a faz pensar em si mesma como algo insignificante: “As coisas estão piores que nunca - pensou a pobre criança - pois nunca fui tão pequena assim antes, nunca!”. E também no episódio no qual ela pensa em se fingir de duas quando diz “Mas agora não adianta nada fingir que sou duas pessoas – pensou a pobre Alice – Na verdade estou tão mínima que o que sobrou de mim, mal chega a fazer uma pessoa decente.” Esses episódios parecem corresponder, portanto, ao arquétipo da criança – pequena ou insignificante.

Noutro momento, Alice bebe o líquido de nova garrafa e torce para que os efeitos sejam os desejados: “Espero que me faça crescer de novo, porque estou realmente cansada de ser esta coisinha tão pequenininha”. Comparamos isso com o fato de, em alguns momentos, o adolescente se sentir como uma criança, insignificante e incapaz de exercer um papel na sociedade.

Há também episódios nos quais Alice cresce de modo desenfreado. Na casa do coelho ela fica presa por ter crescido demais. Comparamos isso com a insatisfação adolescente de crescer e ter a responsabilidade de fazer o que a sociedade espera dele, ficar preso em convenções. Isso é representado também no episódio da lagoa de lágrimas no qual se vê “Pobre Alice! O máximo que ela conseguia fazer, se deitasse de lado, com a cara no chão, era botar um olho diante da porta e olhar o jardim. Entrar tinha ficado mais impossível do que nunca. Então ela sentou e começou a chorar de novo”. E nesse mesmo episódio observam-se contrastes da adolescência quando ela ordena a si mesma que pare de chorar por ser feio uma menina tão grande chorando daquele jeito, mas o conselho não lhe adianta de nada e ela continua a chorar.

Mas é possível perceber uma grande quantidade de circunstâncias nas quais o tamanho representa novas possibilidades para Alice como representa o ser criança ou ser adulto para um adolescente. Sendo pequena ela pode entrar no jardim, mas sendo grande ela pode pegar a chave. Sendo grande ela também se sente mais confiante em relação ao julgamento no último capítulo do livro. Alice passa a superar seus obstáculos graças a efeitos mágicos próprios do novo mundo no qual foi inserida. Há uma passagem na qual seu pescoço cresce muito e ela tem uma possibilidade inimaginável de observação. É uma nova visão do mundo. Como a nova perspectiva de um adolescente sobre o mundo. Porque depois de experiências vividas principalmente nessa idade temos uma nova visão de mundo, uma nova visão das situações.

Mesmo sentindo saudades dos seus “velhos tempos” como no momento no qual ela diz “Em casa era muito mais agradável – pensou a coitada – eu não ficava toda hora aumentando e diminuindo, nem encontrando camundongos e coelhos que ficam me dando ordens. Já estou quase me arrependendo de ter entrado na toca do coelho”, Alice gosta desse novo mundo, e logo contrapõe “acontece que essa vida por aqui pode ser bem divertida, de tão estranha que é!”. O mesmo acontece com adolescentes que gostavam de suas vidas como crianças, mas adoram as novas possibilidades que a adolescência os traz.

As novidades do país das maravilhas (e, por que não dizer, do tamanho) fazem-na sentir a potência do recurso mágico, desejá-lo para sentir-se invencível – “quando eu for grande, vou escrever um conto de fadas”. É como se dissesse que gostaria de dominar seu mundo, controlar suas regras, regular suas engrenagens.

Encontra-se toda uma questão de formação de personalidade. Podemos perceber isso no trecho da conversa com a lagarta que pergunta a Alice quem é ela e ela, por sua vez responde “A senhora me desculpe, mas no momento não tenho muita certeza. Quer dizer, eu sei quem eu era quando acordei hoje de manhã, mas já mudei uma porção de vezes desde que isso aconteceu. (...) Receio que não possa me explicar, Dona Lagarta, porque é justamente aí que está o problema. Posso explicar uma porção de coisas, mas não posso explicar a mim mesma”. E é exatamente assim que acontece com o adolescente, as mudanças são rápidas e grandes e não se tem noção de quem se é, porque a cada dia você muda ao menos um pouco.

Ao final, ao longo do julgamento, Alice vai crescendo num ritmo menos acelerado se comparado com todas as outras vezes nas quais ela cresceu. Mas o limite desta transformação é o tamanho natural da menina. Tamanho que tinha antes de entrar na toca atrás do coelho. Que é muito maior que o tamanho das criaturas ali presentes. Ela se torna mais confiante com seu tamanho e se vê numa nova condição para dialogar com o mundo.

Assim, conseguimos entender a coragem de Alice na cena final do julgamento, ainda no sonho, momentos antes de acordar, em que confronta a Rainha, sem se importar com nenhuma das ameaças. Quando é mandada calar, a menina investe contra as cartas dizendo “Quem se importa com vocês - disse Alice, que já tinha crescido até voltar ao seu tamanho verdadeiro. – Vocês não passam de cartas de baralho”. Pouco a pouco ela se sente mais segura e passa a se entender com seu tamanho real e a partir daí está pronta para acordar de seu sonho como um adolescente que amadurece partindo para a vida adulta.

Depois de Alice acordar sua irmã fica pensando nela “Ela imaginou como sua irmãzinha (...) ia se transformar em mulher feita e como ela guardaria, nos anos mais maduros, o coração simples e amoroso de sua infância. E como reuniria em volta de si outras crianças, seus filhos, e faria seus olhinhos ficarem brilhantes e curiosos com (...) o sonho que tivera com o País das Maravilhas muito tempo antes”. Parece que é alguém que já passou pela adolescência falando dela, com certa nostalgia e saudade. Parece que a irmã de Alice percebe que ela cresceu.

Spoiler Rating: 83
LBC Rating: ~

Do Wikipédia

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