Em 1939, ao decidir sair da Inglaterra, onde já era um diretor respeitado, com destino aos Estados Unidos, Alfred Hitchcock talvez não soubesse o que iria encontrar em Hollywood. Mas logo sentiu a força de seu contratante, o produtor David O. Selznick. Acostumado a ter ampla liberdade em seu trabalho nos estúdios de Londres, o cineasta, então com 40 anos, teve de enfrentar o temperamento forte, autoritário e as vezes cruel de seu inteligente produtor que vivia a recente glória de ter feito E O VENTO LEVOU.
Foi em meio de um embate de personalidades que nasceu e surgiu REBECCA - A MULHER INESQUECÍVEL. Apesar dos choques de temperamentos e vontades e de certa frustração assumida anos depois por seu diretor, o filme é um autêntico Hitchcock. E, passados tantos anos, uma criação estupenda dotada de uma força e comunicação incríveis.
Os primeiros dez minutos atestam a impressionante capacidade de síntese do realizador, algo que ainda faz falta no cinema atual. Uma voz feminina evoca a mansão dos De Winter. No quinto minuto, o espectador já conhece a dona da voz (Joan Fontaine) e percebe que Maxim De Winter (Laurence Olivier) é um personagem perturbado. Com razão, conforme demonstra a trama em seguida, ao seu encontro no penhasco com aquela jovem tímida (Fontaine), cujo nome nunca é anunciado no filme. Quando alguém se refere a ela, é como darling (querida) ou Sra. DeWinter.
Mas essa condição é um tanto parcial. Mesmo casada com Maxim, ela não é senhora da mansão dos DeWinter, chamada Madelyn, onde passam a morar. Externamente, quem mais colabora para isso é Mrs.Denver (Judith Anderson), a governanta da mansão. Sempre que pode, ela menospreza a atual patroa e louva a anterior, Rebecca, a falecida esposa de Maxim. E esta, sem jamais aparecer no filme, se torna a grande personagem da história. Se isso ocorre é porque Hitchcock foi além do que havia no romance. Com achados essencialmente cinematográficos, enfatiza a ambigüidade de Rebecca.
Até os últimos momentos fica difícil saber exatamente qual era seu caráter e também se Maxim é um culpado autêntico ou um falso culpado, ou seja, o sujeito que não cometeu o crime que gostaria de ter cometido, algo freqüente na filmografia do diretor de PSICOSE. Mas, com seus precisos e sugestivos movimentos de câmera e tons sombrios (que traz a influência do cinema expressionista alemão), Hitchcock fez um filme de clima sinistro, doentio. Esse aspecto é acentuado na conduta de Mrs. Denver, principalmente naquela cena ousada para a época em que a governanta acaricia de forma libidinosa a roupa íntima de Rebecca.
Hitchcock impôs Joan Fontaine no papel principal. Com natural candura, ela transmite o amor por Maxim e a sua fragilidade diante das provocações enfrentadas na mansão dos De Winter. A rejeição vivida por sua personagem, a atriz também sentiu durante as filmagens.
Outra grande presença é a de Judith Anderson, em meio de um elenco comandado por Laurence Olivier, já então famoso. Com música romântica-misteriosa de Franz Waxman (o mesmo de O CREPÚSCULO DOS DEUSES), REBECCA é uma obra-prima do cinema norte-americano.
Spoiler Rating: 84
LBC Rating: ~


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