Houve um tempo, antes de "E.T.", em que esse personagem feio e ameaçador que chamamos de alienígena encarnava o medo de tudo aquilo que devesse ser destruído antes de nos destruir. Encarnava na cultura popular o terror da diferença.
Eram tempos de Guerra Fria e de paranóia comunista em boa parte do mundo ocidental. Corriam os anos de 1950 e 60, e o outro, o diferente, se substanciava, pelo menos em Hollywood, nos monstros vindos do espaço exterior. Os títulos dos filmes de ficção-científica da época são suficientemente explícitos: ULTIMATO À TERRA, QUANDO OS MUNDOS SE CHOCAM, A GUERRA DOS MUNDOS ou A INVASÃO DOS LADRÕES DE CORPOS. Já se sabe que desprezamos, por temor, tudo aquilo que desconhecemos.
Também se disse que o cinema, por meio da ameaça alienígena, sintetizava os medos da época. Em todo caso, a ficção-científica sempre foi povoada por monstros até que, em 1968, começou uma mudança de perspectiva. Primeiro com Stanley Kubrick e seu 2001, UMA ODISSÉIA NO ESPAÇO; e, já nos anos 70, com Steven Spielberg e ENCONTROS IMEDIATOS DO TERCEIRO GRAU. O alucinado e alucinógeno filme de Kubrick transformava o outro em um monólito parecido com o próprio Deus. Spielberg foi menos excessivo que Kubrick em seu afã redentor, mas naqueles "Encontros" se percebia dominado por uma inegável ingenuidade ecumênica. Em seu filme inclassificável, os extraterrestres deixam de ser um perigo para as pessoas, apresentando-se com uma nave que é uma espécie de catedral erigida ao bem a ser conhecido, contra a ameaça desconhecida.
Também não devemos esquecer que 1978 é o ano de ALIEN, O OITAVO PASSAGEIRO, o monstro mais temível que o espaço exterior já produziu, ao lado do Predador, seu arquiinimigo: duas feras malignas que vieram das estrelas distantes e continuam se perpetuando no cinema até hoje. O alienígena, o extraterrestre, continua sendo em boa medida o inimigo a vencer. Ou pelo menos o enigma a resolver, como deixaria muito claro a série de televisão "Arquivo X".
Mas se houve um filme que de alguma maneira contribuiu para reduzir essa percepção ameaçadora foi E.T. (1982), do próprio Spielberg. Um filme que deixa claro que o terror nem sempre vem do espaço exterior. Lembram de Alf na televisão dos anos 80? Pois esse ser brincalhão não teria existido sem o E.T., porque E.T. garantiu no imaginário popular o sentimentalismo e o humor em relação ao alienígena. Tantos sentimentos se acumulavam ao seu redor que alguns tacharam aquele filme, na época, de tolo, infantil, manipulador ou inocente, segundo os mais condescendentes. Mas isso foi há 25 anos, e o tempo acabou pondo as coisas em seu devido lugar. Hoje alguns cortariam a própria mão antes de voltar a escrever o que escreveram na época sobre "E.T.".
A história que conta é simples: um alienígena se perde na Terra, abandonado pelos seus. É um ser diferente, por ser extraterrestre, e sente-se encurralado pelos seres humanos. É uma vítima que tem a sorte de se encontrar com Elliot (Henry Thomas), uma criança tão alienígena quanto ele mesmo. A grande diferença em relação a outros filmes com extraterrestres está na mudança radical do ponto de vista na hora de tratar do outro. Spielberg inclina-se para o menino e para o extraterrestre; põe a câmera na altura de seus olhos e assim sentimos o terror que eles dois sentem, e o medo que lhes causam os adultos, a persegui-los sem trégua.
Também há a impossível ressurreição da estranha criatura e as bicicletas voando, ou as lágrimas que nos escapam quando o simpático alienígena com olhos de vaca e cara de peixe parece morrer. Mas isso não tem nada a ver com os alienígenas ou com a ficção-científica, nem com a ameaça dos extraterrestres... Tem a ver com Spielberg e sua magia de cineasta.
Spoiler Rating: 86
LBC Rating: ~
Por Salvador Llopart - La Vanguardia
2.1.08
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