Impossível ver CIDADE DE DEUS sem ficar pertubado. Até porque a fita não tem pretensões a se fazer leituras políticas partidárias ou simplificações. Inspirado num livro de Paulo Lins, altamente autobiográfico, o filme mostra de forma brilhante a trajetória de um moleque, Buscapé, que sonha em ser fotógrafo (já começa com ele numa situação de perigo, para depois retornar ao passado com ele como narrador em off; e como está na moda, brincando com a narrativa, dizendo coisas como "esse depois vai entrar na história", "depois eu conto daquele" e coisas assim).
O filme então, fica dividido em décadas. Começa no fim dos anos 60, quando Buscapé tinha 11 anos, e já existia o Dadinho, que está se revelando um perigoso assassino que nos anos 70, assume o controle do tráfico de drogas (virando Zé Pequeno). Mas no começo dos anos 80, a situação se complica quando há outro, o Manu Galinha, que depois de ser vítima de um ataque parte para uma vingança pessoal e abre uma verdadeira guerra (ao final da fita, além do nome do ator e personagem, aparece também a foto do verdadeiro sujeito).
Se já houve outros filmes sobre quadrilhas e traficantes, nada era parecido com este. Embora a violência nunca seja explícita - não se vê a carne ferida ou cabeças explodindo, mas há momentos quase insuportáveis. E é isso mesmo que sucede no Brasil (e não nos enganemos, no resto da América Latina e em todo o Terceiro Mundo também). Embora seja uma ficção, este filme mostra a realidade e ela é assustadora.
E há mais: o filme é tecnicamente espetacular. A fotografia é um arraso (foi feita por Cesar Charlone, Indicado ao OSCAR de fotografia). A edição, ou uso de músicas, é digno mesmo de uma indicação ao Oscar, realmente "state of the art". E a direção de atores é uma coisa impressionante. Fernando Meirelles (indicado ao OSCAR de direção) tem uma co-diretora, Katia Lund, com quem ele fez antes o curta "Palace II". Não sei bem até agora quem fez o quê. Mas é facil supor que Katia tenha cuidado da preparação de atores, quase todos amadores (há duas exceções: Matheus Nachtergaele, que faz um chefe traficante, e Graziela Moretto, que fez um dos papéis principais do filme anterior do diretor, DOMÉSTICAS, interpretando uma jornalista que ajuda Buscapé e transa com ele dando margem a uma ótima piada no final quando ele comenta "sabe como é, jornalista não transa bem nem, né...")
Todos os amadores passaram por uma oficina de preparação dos atores. E sabendo como brasileiro é meio canastrão, não é natural diante das câmeras como os italianos, por exemplo, o resultado é fantástico, todos estão excelentes.. Tão uniformes que não dá nem para destacar nenhum.
Mas se o filme é tão impressionante, porque essa relutância em assumir isso? Talvez porque eu (e os outros) não gostemos de saber que O Rei esta Nu (como na fábula), não queiramos enfrentar nossos problemas de frente. E talvez esconder a cabeça como avestruz seja mais fácil. Isso ainda vai dar pano para manga (hoje resolvi desenterrar as velhas expressões). O que importa é que o Brasil foi superbem representado no Oscar de 2004, e Fernando Meirelles realmente se inscreve com esta fita na primeira linha do cinema brasileiro. Quanto mais penso no filme mais gosto. E tremo só em pensar no trabalho que deve ter dado para fazer, para rodar nos locais autênticos, sempre com a permissão dos traficantes, sempre com medo de balas e revides. Foi um risco de vida, mas certamente valeu a pena.
Spoiler Rating: 88
LBC Rating: ~
23.12.07
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