Não existe paz, habitualmente, nos filmes de Martin Scorsese. O conflito é seu fundamento. Não existe um minuto de paz em OS INFILTRADOS: Estamos em Boston e a polícia tenta organizar uma operação contra a gangue de Frank Costello (Jack Nicholson). Para tanto, convoca o explosivo policial Billy Costigan (Leonardo DiCaprio) para a ingrata missão de se infiltrar entre os mafiosos.
O que o chefe da polícia (Martin Sheen) não sabe é que Costello fez coisa idêntica: infiltrou em seus quadros Colin Sullivan (Matt Damon).
Este filme retoma certos aspectos de GANGUES DE NOVA YORK, como a idéia da ação secreta de alguém que se une ao inimigo visando aniquilá-lo. Se "Gangues" fazia referência à origem violenta, bárbara de Nova York, que seria uma espécie de segunda natureza da nação, aqui, Scorsese se refere, a horas tantas, a um país onde todo mundo odeia todo mundo.
Dito isso, estamos às voltas com o tema da traição, que é um sucedâneo da espionagem, no sentido de jogo duplo, mas também do teatro, desde que os antagonistas representem papéis: ser o que são e também seu contrário. Esse jogo nos conduz por um estranho xadrez em que o bem e o mal tornam-se instituições intercambiáveis. O mocinho e o bandido são figuras num espelho. Quem é um e quem é outro? Qual é a realidade e qual a aparência?
Essa é a questão que o mundo contemporâneo nos coloca todo o tempo: o que é simples imagem e que imagem contém verdade?
Mas esses "personagens-espelho" existem nesse país em que todo mundo se odeia -e isso faz diferença no filme. É possível que as pessoas não se odeiem mais, "nesse país", do que em qualquer outra parte do mundo, mas para Scorsese isso não minimiza o fato de haver aí uma disfunção.
Desta vez o conflito se reveste de um caráter ético-político claro, como nos filmes do diretor do começo dos 70. Não por acaso, os infiltrados são chamados de "ratos" por Costello. Esses roedores acabam com tudo, minam tudo. Mas ele próprio, Costello, se serve deles, porque os ratos não são uma anomalia, eles são o fundamento do funcionamento desse mundo.
À medida que o filme evolui, passamos, com efeito, do fato isolado, do drama individual dos dois homens, suas motivações e armas, para uma observação geral sobre o funcionamento das instituições. E a maneira cruel de Martin Scorsese observar o mundo, a América em particular, não vem de hoje.
E essa é a maneira como se adapta a um momento em que o cinema político parece ressurgir com força, colocando o tema da degradação dos costumes e da corrupção à frente: assim fazem Claude Chabrol (A COMÉDIA DO PODER) e Nanni Moretti (O CROCODILO).
Spoiler Rating: 91
LBC Rating: ~
Por Gill Pringle (Independent) & Inácio Araujo (Folha)
14.11.07
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