17.10.07

Retorno à Normandia


Há 30 anos atrás, foram realizadas as filmagens de MOI, PIERRE RIVIÈRE, AYANT EGORGÉ MA MÈRE, MA SOEUR ET MON FRÈRE de René Allio, adaptação cinematográfica do livro de Michel Foucault. Hoje, Nicolas Philibert filma o seu desaparecimento. Retornando à região onde Philibert, então um jovem assistente de direção de 24 anos, havia sondado locações e moradores locais para interpretarem os papéis principais, o diretor acaba por reencontrar, ainda por lá, os envelhecidos membros do elenco e as edificações que uma vez lhe serviram de cenário. Seu interesse é tanto saber o que se tornou a vida deles após o filme como nas memórias que nutrem das filmagens - todas sempre bastante calorosas. Os depoimentos revelam indivíduos ainda deslumbrados com o aparelho cinematográfico, jamais pensando que viriam a ser escolhidos pelas lentes uma segunda vez. Uns conheceram vidas satisfatórias desde então, outros menos, mas aparentemente todos permaneceram na região, feito arquivo vivo dos eventos que um dia agitaram o lugar. O único que prolongou a presença ativa do cinema em sua vida, o protagonista Claude Hébert, encontra-se desaparecido, inlocalizável.

É um efeito estranho esse de reconhecer a passagem do tempo não nas mudanças, mas nas cicatrizes da degradação sobre os objetos e pessoas que jamais se moveram. Tudo ainda é o mesmo, mas acrescido de tempo. RETORNO À NORMANDIA alerta-nos de um outro filme prestes a desaparecer com as pessoas que dele participaram (já idosas), desaparecer na película onde foi impressa (abordando o iminente fechamento dos históricos laboratórios Éclair e o avanço da tecnologia digital), desaparecer nos papéis onde Allio esboçou seus diários de filmagens (mantido nas impressionantes instalações do IMEC, acervo de cultura francês que conserva em seus arquivos manuscritos de alguns dos maiores artistas que já existiram), suas 60 cenas cortadas do roteiro para cumprir o orçamento. Muito além do "extra de DVD" saudosista, o documentário de Philibert, como acusam as gráficas imagens iniciais do parto de um leitão, tem suas raízes fincadas firmemente no presente, no agora. É menos o desejo dele revisitar o filme em si (e para aqueles que jamais tomaram conhecimento dele, Philibert não apenas nos mantém informados de todo o conteúdo e peso da obra, como também a apresenta de modo bastante sedutor) e sim descobrir o que se tornou dele. De seu material físico tanto quanto de sua aura.

Cartada de mestre: não apenas não existe filme que não mereça ser feito, como não existe filme que não mereça ser lembrado. O material arquivado no acervo cultural é perecível como as pessoas que um dia os compuseram, ou que ajudaram a realizá-lo. Elas estão lá: na mente, no papel, na película. Philibert restitui a dignidade da memória.

Spoiler Rating: 71
LBC Rating: ~

Por Bernardo Krivochein (Zeta Filmes)

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