11.9.07

A Era da Inocência


Como Denys Arcand é um mestre da ironia, deve estar rindo ao saber que seu L'ÂGE DES TÉNÈBRES recebeu no Brasil o polido (e mentiroso) título de A ERA DA INOCÊNCIA. Não poderia ser mais enganoso, mesmo porque a época que Arcand retrata nada tem de inocente. Afinal, qualquer pretensão é perdida nesse mundo descrito pelo cineasta canadense: Vida familiar destruída, ambiente profissional minado por excesso de competição, trânsito infernal, relações humanas artificiais, sexo mecânico, mediação insípida pelo discurso politicamente correto, etc.

Poderia parecer um cardápio intragável, esse oferecido por Arcand, não fosse seu terrível senso de humor, que beira às vezes o sarcasmo, mas dá um tempero ao conjunto. As pessoas foram reduzidas a robôs, o sexo não vale mais a pena, a vida profissional tornou-se um fardo e um ser insignificante como o funcionário público Jean-Marc Leblanc (Marc Labrèche) não tem outro recurso senão refugiar-se no devaneio. Entre risos e insights, o filme progride rumo àquilo que parece ser o naufrágio absoluto do personagem.

A mulher não se dá conta de sua existência, empenhada em bater recordes em seu negócio imobiliário. Seus filhos não o escutam porque estão interessados em seus próprios problemas e mantêm os ouvidos ocupados com iPods ou joguinhos eletrônicos. Os congestionamentos de trânsito são infernais e Leblanc chegou à conclusão de que seu emprego - assistente social para os desamparados de Montreal - é de uma perfeita inutilidade. Faz parte do mundo de Leblanc uma versão idiotizada do politicamente correto. Seu melhor amigo é negro, mas não se pode dizer que ele "trabalha como um negro". Leblanc enfrenta ainda uma ofensiva fascista contra o tabagismo. Numa das cenas hilárias, ele e colegas se escondem para fumar, como crianças no recreio, enquanto são perseguidos por uma patrulha antitabaco, com guardas armados e cães farejadores.

"Depois das invasões bárbaras e antes do declínio do império, a humanidade entrou na idade das trevas: Com a morte da democracia, a constante corrupção na política, a destruição da célula familiar, o desaparecimento da ética e a moral, a multiplicação das religiões e o misticismo, a ameaça das grandes epidemias, todos os ideais foram destruídos", afirmou Arcand na premiere de Cannes.

Lembre-se que em 2003, AS INVASÕES BÁRBARAS desencadeou uma torrente de lágrimas entre os cinéfilos e, no júri de Cannes - que concedeu o prêmio de melhor atriz a Marie-Josée Croze. O filme levou, também, o Oscar de Filme Estrangeiro, o primeiro da história para o Canadá.

E como em filmes anteriores, Arcand se empenha em nos mostrar o absoluto absurdo em que se converteu a vida contemporânea, e não apenas nos países periféricos, como parecem acreditar os brasileiros. É a estrutura mesma dessa vida, fundada no consumo compulsivo e na ausência de utopias, que entrou em parafuso. Esse trabalho cinematográfico, que balança entre o trágico e o cômico, parece um convite à reflexão. Aliás, reflexão é outro hábito em desuso em meio ao frenesi de comunicações que nada comunicam, e da volúpia de informações inúteis de que é feito o nosso tecido mental contemporâneo. Em meio ao caos, busque o essencial - parece nos dizer Arcand.

Spoiler Rating: 93
LBC Rating: ~

Por Luis Carlos Merten (Estado)

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