


Poderia parecer um cardápio intragável, esse oferecido por Arcand, não fosse seu terrível senso de humor, que beira às vezes o sarcasmo, mas dá um tempero ao conjunto. As pessoas foram reduzidas a robôs, o sexo não vale mais a pena, a vida profissional tornou-se um fardo e um ser insignificante como o funcionário público Jean-Marc Leblanc (Marc Labrèche) não tem outro recurso senão refugiar-se no devaneio. Entre risos e insights, o filme progride rumo àquilo que parece ser o naufrágio absoluto do personagem.
A mulher não se dá conta de sua existência, empenhada em bater recordes em seu negócio imobiliário. Seus filhos não o escutam porque estão interessados em seus próprios problemas e mantêm os ouvidos ocupados com iPods ou joguinhos eletrônicos. Os congestionamentos de trânsito são infernais e Leblanc chegou à conclusão de que seu emprego - assistente social para os desamparados de Montreal - é de uma perfeita inutilidade. Faz parte do mundo de Leblanc uma versão idiotizada do politicamente correto. Seu melhor amigo é negro, mas não se pode dizer que ele "trabalha como um negro". Leblanc enfrenta ainda uma ofensiva fascista contra o tabagismo. Numa das cenas hilárias, ele e colegas se escondem para fumar, como crianças no recreio, enquanto são perseguidos por uma patrulha antitabaco, com guardas armados e cães farejadores.
"Depois das invasões bárbaras e antes do declínio do império, a humanidade entrou na idade das trevas: Com a morte da democracia, a constante corrupção na política, a destruição da célula familiar, o desaparecimento da ética e a moral, a multiplicação das religiões e o misticismo, a ameaça das grandes epidemias, todos os ideais foram destruídos", afirmou Arcand na premiere de Cannes.
Lembre-se que em 2003, AS INVASÕES BÁRBARAS desencadeou uma torrente de lágrimas entre os cinéfilos e, no júri de Cannes - que concedeu o prêmio de melhor atriz a Marie-Josée Croze. O filme levou, também, o Oscar de Filme Estrangeiro, o primeiro da história para o Canadá.
E como em filmes anteriores, Arcand se empenha em nos mostrar o absoluto absurdo em que se converteu a vida contemporânea, e não apenas nos países periféricos, como parecem acreditar os brasileiros. É a estrutura mesma dessa vida, fundada no consumo compulsivo e na ausência de utopias, que entrou em parafuso. Esse trabalho cinematográfico, que balança entre o trágico e o cômico, parece um convite à reflexão. Aliás, reflexão é outro hábito em desuso em meio ao frenesi de comunicações que nada comunicam, e da volúpia de informações inúteis de que é feito o nosso tecido mental contemporâneo. Em meio ao caos, busque o essencial - parece nos dizer Arcand.
Spoiler Rating: 93
LBC Rating: ~
Por Luis Carlos Merten (Estado)


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