10.8.07

Pele Branca como a Neve, Lábios Rubros como a Rosa

Se BRANCA DE NEVE E OS SETE ANÕES, fosse basicamente sobre Branca de Neve, teria sido logo esquecido depois do lançamento em 1937 e hoje seria apreciado apenas por motivos históricos, por ser o primeiro longa-metragem de animação a cores. Para dizer a verdade, a personagem Branca de Neve é um pouco enfadonha, nada atuante, mas sua existência inspira outros a agirem. Ao longo dos anos, o erro da maioria dos inúmeros imitadores de Disney tem sido confundir os títulos dos filmes com o assunto. BRANCA DE NEVE E OS SETE ANÕES não trata apenas de Branca de Neve e do Príncipe Encantado, mas também dos sete anões e da Rainha Má e de um sem-número de seres da floresta e dos céus, desde o pássaro azul que enrubesce até a tartaruga que passa a vida inteira tentando subir um lance de escadas.

A grande inspiração não foi criar Branca de Neve, mas sim criar o mundo que a cerca, imaginando um filme em que todos os ângulos e todas dimensões incluíssem algo vivo e em movimento. Nunca se vira algo semelhante às técnicas de BRANCA DE NEVE E OS SETE ANÕES. O cinema de animação era considerado um entretenimento infantil, seis minutos de gags envolvendo ratos e patos, antes do cinejornal e do filme principal. BRANCA DE NEVE demonstrou que a animação poderia libertar um filme da armadilha do espaço e tempo; que gravidade, dimensão, limitações físicas e regras do movimento poderiam ser vencidas pela imaginação dos animadores.

Consideramos, por exemplo, o momento em que Branca de Neve canta “I´m Wishing” (“Eu Desejo”) enquanto olha para o fundo do poço. Disney propicia-lhe um ouvinte: um pombo se assusta, foge voando e depois retorna para ouvir o restante da canção. Em seguida, o ponto de vista muda drasticamente e vemos Branca de neve lá no alto, a partir da superfície brilhante do poço.

O mais importante elemento de continuidade é o uso de personagens auxiliares. Menores e maiores, sérios e cômicos. Um fotograma não pode conter apenas um personagem por muito tempo, falas extensas são raras, números de musica e dança são freqüentes e a ação principal é sublinhada pelo grupo de personagens que a refletem ou a ela reagem.

Outro achado, foi fazer os personagens expressarem fisicamente suas personalidades. E fez isso sem lhes atribuir rostos engraçados ou roupas estranhas (embora isso fizesse parte), mas estudando estilos de linguagem corporal para depois exagerá-los. Os sete anões, Soneca, Zangado, Dunga, e assim por diante, personificam seus próprios nomes. Mas essa simples analogia se tornaria monótona, se eles não interpretassem cada fala e cada movimento com exagerada linguagem corporal, e suas roupas não estivessem em sintonia com suas personalidades.

Outra inspiração são os diferentes centros de gravidade dos personagens. Uma heroína como Branca de Neve é alta e aparece sempre em pé. Mas toda a movimentação dos personagens cômicos é centrada e emanada dos traseiros. Nos filmes, é comum rodopiarem, se chocarem de costas e caírem sentados. Além disso, são roliços, baixos, ternos, exagerados e divertidos, sendo suas personalidades sempre construídas de baixo para cima. Outro contraponto interessante é a presença dos animais vivendo estórias paralelas. Branca de Neve não sobe sozinha as escadas da casa dos anões: É acompanhada por um bando de animais. Os esquilos correndo depressa e a tartaruga num laborioso passo.

Como acontece aos grandes artistas, a tela foi para Disney, o campo de batalha para o conflito entre seu intelecto e suas emoções. Sua adaptação intelectual da relação maternal de Branca de Neve com os seus anões apresentou uma versão idealizada de sua identificação emocional com esse material, particularmente na autodescrita relação paternalista com seus empregados. Na luta de Branca de Neve para assumir o comando do próprio destino, ameaçado pelas negras forças do mal, Disney encontrou uma poderosa metáfora de sua própria luta pela sobrevivência na arena de Hollywood, cujo mercado, percebia sombrio e competitivo.

A fidelidade de Disney ao aspecto liberal de seu material original, permitiu que seu filme encontrasse um vasto publico entre as crianças. Foi, no entanto, a ressonância clássica do filme que ajudou a projetar seus conflitos íntimos e tornou Branca de Neve igualmente, ou talvez ainda mais, sedutor aos adultos. Do caos profissional de sua obra e das inseguranças emocionais de sua vida, Disney produziu uma obra unificada de grande profundidade, ao mesmo tempo, básica e sofisticada, sombria e luminosa, tangível e ilusória, única e, ainda assim universal.

O tema básico do filme também conseguiu tocar um ponto critico da sociedade. A luta de Branca de Neve contra sua temível madrasta transformou-se em vivida metáfora, identificando os temores de uma nação prestes a entrar em conflito mundial, quando as sombrias forças do mal pareciam ameaçar a própria existência dos EUA. Em todos os níveis, então, Branca de Neve foi uma conquista gigantesca, tão cativante quanto qualquer obra jamais produzida por um cineasta.

Houve muita discussão de como a cena em que o Caçador se aproxima para matar Branca de Neve deveria ser apresentada. Walt estava preocupado de como seria a reação da platéia quanto a idéia de um desenho matar outro desenho. Eles achariam engraçado ou sentiriam a verdadeira emoção que os animadores queriam transmitir? A resposta veio na premiere do filme. Segundo o animador Ward Kimball, ele mesmo podia escutar as pessoas chorando durante a cena em que os anões tiram suas toucas e se ajoelham em volta do esquife de Branca de Neve.

O que se vê em BRANCA DE NEVE E OS SETE ANÕES é uma tela sempre brilhando e palpitando de movimento e invenção onde se insere a estória principal, apavorante como em todos os contos de fada, envolvendo a Rainha Má, o sinistro espelho Mágico, a maça envenenada, o sepultamento em uma urna de vidro, a tempestade de raios, a saliência rochosa e a queda fatal da rainha. As crianças lidam bem com esse material porque são tímidas como os pássaros e os animais, que fogem e depois voltam para lançar mais um olhar curioso...

Spoiler Rating: 88
LBC Rating: ~

Por Roger Ebert - Grandes Filmes

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