29.8.07

O nascimento da nação do cinema


Planejado como um grande libelo contra o ódio em vários momentos da história da humanidade, INTOLERÂNCIA é considerado um dos mais importantes filmes da história do cinema mundial. Junto com O NASCIMENTO DE UMA NAÇÃO, o filme anterior do diretor D. W. Griffith, é apontado como marco da linguagem cinematográfica moderna. Além da importância técnica, na montagem ou nos planos de câmeras, Griffith mostrou que o cinema poderia se tornar uma grande indústria de entretenimento, que serviria para levar ao público não só diversão, mas as bases de um discurso de ideologia nacional.

INTOLERÂNCIA foi produzido em 1916, ainda nos tempos do cinema mudo, e intercala quatro histórias. As duas mais importantes são sobre a relação de amor entre dois jovens na Califórnia da época, em meio a greves, desemprego e injustiças sociais, e sobre a queda da Babilônia, em 539 a.C., tomada pelos persas. O massacre de protestantes huguenotes e calvinistas em Paris, no ano de 1572, conhecido como a Noite de São Bartolomeu, é o tema da terceira história e a vida e morte de Cristo é a quarta, e a que tem menos destaque.

O episódio sobre a queda da Babilônia é responsável pelos momentos mais impressionantes da obra de Griffith. Para retratar o fim de uma sociedade que cultuava a deusa do amor, atacada por guerreiros que espalhavam o ódio e que só puderam vencer graças à traição de um líder religioso enciumado, Griffith construiu um templo de grandiosidade que iria mudar a história do cinema. As cenas de batalha, com milhares de figurantes, impressionam, mesmo se comparadas com superproduções atuais. O tamanho dos cenários que reconstituem a cidade só foi superado recentemente, em filmes como TITANIC e WATERWORLD.

Apesar do relativo fracasso de INTOLERÂNCIA, exibido nos Estados Unidos às vésperas da Primeira Guerra Mundial, a suntuosidade levada às telas por Griffith apontava para um rumo do cinema norte-americano a partir de então. Inventado em 1895 pelos irmãos Lumiére, o cinema era uma manifestação cultural crescente, mas ainda considerada pouco importante. A produção cinematográfica era basicamente restrita a filmes curtos e baratos e tinham a mesma relevância artística que os teatros de revista, as apresentações de circo e os espetáculos de bordéis. Os filmes atingiam quase que exclusivamente as camadas mais populares da população e eram sinônimo de diversão fácil e entretenimento descompromissado. Griffith foi decisivo para mostrar que o cinema poderia ser mais.

O domínio da arte cinematográfica pelos norte-americanos, que se expandiu nos anos e décadas seguintes, foi acompanhado de mensagens ideológicas. O cinema foi fundamental para a construção da identidade nacional dos norte-americanos. A imagem simbólica do país consolidou-se principalmente através dos filmes. Com a expansão da indústria cinematográfica dos Estados Unidos e sua disseminação pelas telas do mundo, o cinema transforma-se em um importante instrumento de propaganda ideológica e cultural, e vai se tornar importante para o fortalecimento da hegemonia econômica do país. Em "Intolerância", a mensagem que o cinema norte-americano iria difundir pelo mundo já estava presente.

A mensagem pacifista de "Intolerância", vista com os olhos de hoje, é uma justificativa para a guerra. Na última cena do filme, vemos soldados em um campo de batalha. A legenda afirma que no dia em que as armas não se voltarem mais contra o amor, mas começarem a combater a intolerância, o mundo será bem melhor. Um discurso que vem se repetindo nos últimos 90 anos para justificar o envio de soldados norte-americanos por todos os continentes do mundo em defesa dos ideais de justiça, liberdade e respeito à humanidade.

Griffith tinha noção clara da importância que o cinema poderia ter nas décadas seguintes, como entretenimento e instrumento de propaganda ideológica. Em "Intolerância", mescla um eficiente panorama das barbaridades cometidas pela humanidade ao longo da história com um retrato preciso das injustiças sociais dos Estados Unidos da época. Mas certamente não imaginava que seu filme, recheado de boas intenções, iria se tornar tão importante para compreender alguns dos momentos mais intolerantes do século XX e que continuaria atual no século XXI, quando os mesmos argumentos presentes na cena final são utilizados na tentativa de justificar uma guerra no Oriente Médio.

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