16.8.07

O Ato de Filosofar

Cada vez que chega aos cinemas uma nova produção Disney, a imprensa é soterrada por uma avalanche de números: milhões de dólares, dezenas de desenhistas, centenas de produtos licenciados. Mas com HÉRCULES, a única diferença é que o próprio filme satiriza - com auto-ironia ou cinismo - essa mercantilização do imaginário.

Numa das suas melhores seqüências, Hércules, tornado herói popular, vira marca de sandálias, refrigerantes e brinquedos. Esse tipo de humor, que pisca um olho aos adultos, é responsável pelas melhores piadas de HÉRCULES, como a seqüência em que o herói entra em Atenas, mostrada como uma versão grega da Nova York atual.

Dito isso, vamos à crítica. Previsivelmente, a adaptação da história mitológica de Hércules tomou todas as liberdades possíveis. Até aí, tudo bem: sempre foi assim, de A ESPADA ERA A LEI a O CORCUNDA DE NOTREDAME. Só que, no caso de HÉRCULES, as mudanças implicaram uma deformação total da história, com a conseqüente redução da riqueza dos caracteres gregos (deuses e heróis) a um maniqueísmo rasteiro.

Inevitável? Talvez não. Há ambigüidade em O REI LEÃO, há complexidade no CORCUNDA.
Hércules, na mitologia grega, é filho de Zeus com a mortal Alcmena, mulher de Anfitrião. É fruto, portanto, de um duplo adultério, e todos os seus infortúnios provêm da ira da enciumada Hera. No desenho, Hércules é um deus, filho do harmônico casal Zeus e Hera, e só se torna mortal por pura malvadeza do invejoso Hades, deus dos infernos. Com isso, a rica circunstância do herói se reduz a um confronto entre Zeus, o deus "do bem", e Hades, o "do mal". Hércules tem de derrotar o segundo para servir ao primeiro e voltar ao Olimpo.

Sua tarefa é perturbada pelo aparecimento de uma mulher, Mégara, que, na melhor tradição das mulheres fatais dos filmes "noir", seduz o herói, a mando do vilão, mas acaba se apaixonando por ele. Esse é mais um toque "adulto" num filme em que toda a ação principal - as façanhas de Hércules - sucumbe à estética dos monstros de desenhos japoneses de televisão. Assim, quando os titãs, inimigos de Zeus, são libertados de sua prisão infernal por Hades, vemos surgir, num traço surpreendentemente tosco, criaturas grotescas que nada têm a ver com Prometeu, Cronos e todos aqueles seres fabulosos criados pelos gregos.

Mas se queremos que nossas crianças sejam um ser pensante, e não um mero consumidor de bugigangas, talvez seja interessante trabalhar "Os Doze Trabalhos de Hércules", de Monteiro Lobato. Não ganhou nenhum Oscar, não rendeu milhões de dólares - mas é infinitamente melhor.

Spoiler Rating: 76
LBC Rating: ~

Da Agência Folha de São Paulo

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