20.7.07

Império dos Sonhos


Ao final dos 172 minutos de IMPÉRIO DOS SONHOS (INLAND EMPIRE), o público do 63º Festival de Veneza nem aplaudiu nem vaiou. Permaneceu um bom minuto sentado, quietinho, tentando entender o que havia visto na tela. Não é mesmo fácil. Em seu novo filme, captado inteiramente em digital, o cineasta cult de VELUDO AZUL e TWIN PEAKS, faz questão de deixar a platéia como em outro de seus filmes, numa Estrada Perdida. De compreensão difícil? Verdade, mas isso não impede que Inland Empire seja acima de tudo um trabalho belíssimo, tocante em alguns pontos, cheio de mistérios e reviravoltas. Em suma, grande cinema, embora o público tradicional o ache muito estranho.

E não apenas o público. Alguns jornalistas saíram perplexos da sessão, que começou às 8h30 e se estendeu até quase o meio-dia. Na entrevista, um deles perguntou logo de saída do que tratava o filme. De excelente humor, David Lynch limitou-se a responder: "Acho que isso é claríssimo." Mais específico, disse que o encanto do cinema era exatamente esse, o de permitir que o espectador entre em um mundo onde ele não sabe o que pode acontecer. Compra um ingresso para o imprevisível.

Como entender esse tipo de cinema? Lynch aconselha: "Não se intimide; use a intuição; deixe-se levar e lembre-se de que o cinema vai além das palavras. Esse é o problema das entrevistas: queremos reduzir um filme a uma explicação e isso o empobrece. O público deve entrar numa sala de cinema com a mesma disposição de quem vai ouvir música num auditório. Busquem a experiência, não o sentido."

São boas dicas. O problema é que o cinema, na visão tradicional, é uma arte narrativa (ainda derivada da literatura e do teatro do século 19) e por isso cria no público a expectativa de um sentido fácil, assimilável. E não é que ele vai se encontrar nessa "história" (e ponha aspas nisso) interpretada entre outros por Laura Dern e Jeremy Irons. Laura faz o papel de uma atriz, convidada a trabalhar num filme que, ela descobre em seguida, é o remake de outro filme, inacabado pois os protagonistas foram assassinados durante o trabalho. Já se vê que IMPÉRIO DOS SONHOS anda (também) na fronteira entre a realidade e a ficção, assim como no limite entre o sonho e a vigília. Onde um, onde outra? Velha questão que os mais experientes conhecem de Calderón de La Barca e Lao-Tsé. Enfim, nada é seguro nessa experiência inquietante de IMPÉRIO DOS SONHOS, que nos deixa com os olhos pregados na tela por quase três horas, e nos faz sentir como na corda bamba. Sem rede de segurança. Uma experiência estética e tanto, acreditem.

Spoiler Rating: 81
LBC Rating: 80

Por Luiz Zanin Oricchio (Estado de São Paulo)

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