14.7.07

"Paris, Te Amo" traz megalópole múltipla

A reunião de histórias curtas em longas-metragens foi um expediente comum nos anos 60, principalmente entre produtores europeus - alguns exemplos marcantes foram "Os Sete Pecados Capitais" (1962), "Rogopag" (1963), e "Paris Vu Par..." (1965). "Paris, te Amo" recupera esse espírito oportunista (não necessariamente picareta) ao propor uma espécie de "remake" de "Paris Vu Par...", com duas grandes diferenças.

Enquanto a versão de 1965 privilegiava o olhar interno, com seis episódios assinados por estrelas da nouvelle vague (Godard, Rohmer, Chabrol e Jean Rouch), o novo projeto dá prioridade a cineastas estrangeiros e assume riscos maiores, multiplicando-se por 18 curtas. Essa opção é curiosa. A superfragmentação, ao mesmo tempo em que acentua aquele problema irremediável dos filmes em episódios (a irregularidade), também se mostra mais adequada para somar uma visão múltipla, diversificada, de uma megalópole européia contemporânea como é Paris hoje.

Na medida em que nenhum curta ultrapassa dez minutos, a experiência da "irregularidade" é suavizada. Os olhares estrangeiros ajudam a desmistificar Paris sem perder o amor pela cidade, e o corte final encontrado pelos produtores procura uma fluidez própria, gerando um mosaico de cadência própria em um conjunto relativamente bem-sucedido. Os caminhos propostos ora são mais previsíveis, ora surpreendentes. Foram mais bem-sucedidos aqueles que apostaram na síntese.

Os brasileiros Walter Salles e Daniela Thomas, por exemplo, conseguiram fazer um "road movie" sem sair de Paris, acompanhando o caminho de uma jovem imigrante (Catalina Sandino Moreno) que atravessa a cidade - a pé, de ônibus, de metrô - até chegar a um apartamento elegante do 16º distrito onde cuida de um bebê a quem canta as canções de ninar que não tem tempo nem condições de cantar para seu filho, que deixou num berçário antes de iniciar a caminhada de toda manhã. Com pouquíssimo, dizem muito.

Daniela conta que, inicialmente, Waltinho e ela queriam filmar em Belleville, um bairro multiétnico, no qual seria mais fácil situar a temática dos migrantes que o diretor queria desenvolver. Há muito Walter Salles é atraído pelo tema do desenraizamento, das pessoas que estão num lugar ao qual não pertencem. Belleville terminou sendo substituído pelo 16ème, a Paris Elegante - os Jardins de lá -, mas é uma ironia que só apareça no final, quando Catalina chega ao trabalho. Até lá, o que se vê é uma mulher em trânsito e uma cidade de trabalhadores anônimos. Foi uma filmagem tranqüila. A odisséia maior foi conseguir que Catalina viajasse dos EUA para a França, quando a primeira opção de Waltinho e Daniela - uma atriz brasileira, Cléo Pires - revelou-se inviável. Entraves burocráticos criaram um nó de empecilhos tão grande que só foi desfeito com a ajuda de diplomatas brasileiros e franceses, convocados pela outra produtora, Claudie Ossard.

Gus van Sant dirige Le Marais, com o encontro insólito, misterioso, de dois jovens em uma galeria de arte no velho bairro do 4° distrito. Quais de Seine, de Gurinder Chadha, analisa a questão do relacionamento entre franceses e árabes quando um rapaz se encanta por uma mocinha com véu. Place des Victoires, de Nobuhiro Suwa, conta com a grande Juliette Binoche no papel de uma mãe que ouve o choro do seu filho morto e sai à rua à sua procura. Père Lachaise, de Wes Craven, faz uma original homenagem a Oscar Wilde, que está enterrado no famoso cemitério parisiense.

Alguns cineastas que costumam gerar expectativa (como Gus Van Sant) realizaram peças burocráticas, enquanto outros, dos quais pouco podia se esperar (como Alexander Payne), surpreendem. O australiano Chritopher Doyle, diretor de fotografia dos filmes de Wong Kar Wai, radicaliza na excentricidade; a queniana Gurinder Chadha se afoga na necessidade de ser politicamente correta; Joel e Ethan Coen debocham do mau humor francês de forma estereotipada, porém hilariante, enquanto Olivier Assayas, com seus flagrantes de uma atriz americana em passagem por Paris, assina um dos melhores episódios.

Para ficar com uma escolha muito pessoal, o mais forte me pareceu "Père-Lachaise", de Wes Craven, talvez porque cemitérios me pareçam desinteressantes, mesmo os que abrigam muitos cadáveres ilustres, como o Père Lachaise. Craven desmentiu essa crença, ao dar sentido, poesia e, por assim dizer, vida a uma visita ao túmulo de Oscar Wilde.

A maior surpresa foi "Parc Monceau", de Alfonso Cuarón, onde dois personagens passeiam conversando apaixonadamente. Em poucos minutos, e com muita felicidade, Cuarón nos põe diante das complexidades da família contemporânea. O menos interessante vem do vampirismo de Vincenzo Natali em "Quartier de la Madeleine", com Elijah Wood.

Há, no entanto, um capítulo que se impõe de forma avassaladora por um motivo simples: reúne Gena Rowlands e Ben Gazarra, os dois lendários atores de John Cassavetes, em torno de um roteiro radicalmente afetivo assinado por Rowlands. Em um café do Quartier Latin, um casal separado conversa sobre o rumo de suas vidas. É absolutamente emocionante testemunhar esse encontro de gigantes, registrado da forma mais simples possível pelos diretores Frédéric Auburtin e Gerard Depardieu.

E, no episódio de fecho, e talvez o mais comovente deles, Alexander Payne mostra a turista americana que, finalmente, consegue realizar seu sonho de conhecer Paris. Talvez seja o que capte melhor a função que Paris ainda exerce no imaginário coletivo como cidade romântica, inteligente, sensual. Todos esses clichês estão presentes e, ao mesmo tempo, são desconstruídos.

A impressão deixada foi de que, se ela tivesse percorrido o caminho inverso, o episódio teria sido mais bem-sucedido. Como está, mostra uma moça preocupada em não perder a hora. Feita a inversão, o filme poderia mostrar as transformações da paisagem e, com isso, a distância (geográfica, mas não só) entre o 16º e um subúrbio.

Entre perdas e ganhos, "Paris, Te Amo" realiza a pretensão de trazer visões de uma Paris contemporânea, sem nostalgias, sem lamentos sobre o passado. Não desagradará a quem ama Paris.

Spoiler Rating: 85
LBC Rating: 63

Por Pedro Butcher, Inácio Araujo (Folha de São Paulo), Luiz Carlos Merten & Luiz Zanin Oricchio (Estado de São Paulo)

2 comentários:

Ademar de Queiroz (Demas) disse...

Ansioso para que esse filme chegue logo por aqui.

Marfil disse...

Pelo menos em DVD chega, Demas!

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