22.7.07

Sicko


A primeira imagem de "Sicko" faz piada a partir de um discurso de George W. Bush. A última, igualmente cômica, também envolve a Casa Branca. Entre uma e outra, porém, Michael Moore se reinventa para além da trágica era Bush.

Em "Sicko", Moore aposenta o método confrontacionista de autoridades, públicas ou corporativas, que o celebrizou em "Roger e Eu" e "Fahrenheit - 11 de Setembro". Para mostrar a miséria do serviço de saúde pública dos EUA, o cineasta radicaliza sua faceta jornalística, apresentando casos reais de dramas médicos e viajando mundo afora para retratar modelos estatais de saúde em pleno funcionamento.

O sistema público americano de saúde foi desmantelado no governo republicano de Richard Nixon. Hilary Clinton tentou ressuscitá-lo no governo de seu marido, Bill Clinton, mas os congressistas e associações de classe uniram-se contra o que definiam como um projeto de socialização da saúde nos EUA. Armado de sua câmera, Moore recolhe histórias de pessoas que perderam seus entes queridos porque o sistema privado instalado na América volta-se para o lucro. Quanto menos atendimento os segurados tiverem, melhor para as empresas. Fundou-se, como conseqüência, uma cultura de dizer não às necessidades dos associados.

Moore vai ao Canadá, à Inglaterra e a França para mostrar como nestes países, onde o sistema de saúde é gratuito, não apenas as pessoas são bem (muito bem) atendidas como a expectativa de vida da população é maior. Um bebê nascido em El Salvador tem mais chance de sobreviver do que outro nascido em Chicago, você acredita nisso? Moore tem a fama de manipulador e, certamente, continua manipulando seu público, mas o que ele cita são pesquisas da Organização Mundial de Saúde.

A parte talvez mais polêmica de Sicko refere-se aos heróis do 11 de Setembro, bombeiros e profissionais da saúde que contraíram doenças pulmonares pelo vários dias e semanas que ficaram aspirando pó e fumaça nos destroços do World Trade Center, em busca de sobreviventes. Nenhum deles consegue ser atendido nos EUA. Moore descobre que, na base de Guatánamo, onde o governo Bush abriga suspeitos de atividades terroristas, os homens da Al-Qaeda dispõem de melhores condições de atendimento que os cidadãos americanos. Ele freta um barco e tenta levá-los para Guantánamo, que é, afinal, parte do território americano encravada em Cuba. A entrada na base é negada e Moore ruma, então, para Havana, onde os heróis americanos encontram, nos hospitais públicos de Fidel Castro, o atendimento que lhes é negado nos EUA.

A cena não se concretiza, e "Sicko" escorrega para a ingenuidade com uma estadia cinco estrelas para a câmera na Cuba de Fidel.

Muito mais focada é a radiografia da indústria de saúde nos EUA. "Sicko" ataca de frente as grandes corporações de seguro-saúde, alvejando no caminho a indústria farmacêutica e os políticos, republicanos ou democratas. Nixon substitui Bush como o perpetrador do pecado original, mas sobra até para Hillary Clinton.

Michael Moore sabiamente aparece menos e o faz de forma simpática e controlada. A farta utilização de material de arquivo, de dramas e telejornais americanos a musicais soviéticos, é certeira e hilária. Por vezes tocante, quase sempre convincente, "Sicko" é cativante -e urgente.

Spoiler Rating: 84
LBC Rating: ~

Por Luis Carlos Merten (Estadão) & Amir Labaki (Folha)

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