13.7.07

Conflito na realeza, por uma atriz excepcional

São duas rainhas da arte da representação, em dois filmes que estréiam hoje na cidade. Uma, Helen Mirren, vai ganhar o Oscar, justamente por A Rainha, que lhe valeu todos os indicadores do prêmio da Academia de Hollywood - depois de se sagrar melhor atriz no Festival de Veneza do ano passado, pelo filme de Stephen Frears, Helen foi também a melhor atriz, no Globo de Ouro, e a melhor atriz no SAG, o Screen Actors Guild. A outra, Kate Winslet, foi indicada para o Oscar por Pecados Íntimos, o novo Todd Field. Merece, talvez, ainda mais, a cobiçada estatueta dourada, que haveria de sacramentá-la como a melhor atriz de sua geração, mas não leva. Nem por isso se poderá dizer que Helen Mirren não terá merecido seu prêmio.

Grande Helen Mirren. Há cinco anos, já reverenciada como atriz excepcional - coisa de que ninguém duvidava, depois de havê-la visto no cerimonial teatralizado de O Cozinheiro, O Ladrão, Sua Mulher e O Amante, de Peter Greenaway -, ela esteve em São Paulo, acompanhando anonimamente o marido, o diretor Taylor Hackford, que veio promover o lançamento de Prova de Vida, o drama romântico estrelado (e estragado) por Meg Ryan e Russell Crowe, cujo romance (real) terminou sendo mais importante que o do filme. Helen andou livre e solta pelo hall e pelos corredores do Hotel Crowne Plaza, sem que ninguém se interessasse de saber quem era aquela mulher classuda. Após a indicação para o Oscar - e o favoritismo anunciado pelos prêmios que recebeu -, Helen não poderia pisar na cidade sem que um batalhão de repórteres e fotógrafos a perseguissem. E ainda tem gente que quer subestimar a importância do prêmio da Academia de Hollywood. Esteticamente, até pode ser, mas como evento midiático, nunca.

Helen Mirren havia feito Elizabeth I numa minissérie de TV. Na seqüência, fez o filme de Stephen Frears sobre Elizabeth II. Pelos dois papéis, ganhou duas vezes o Globo de Ouro - como melhor atriz de TV e melhor atriz de drama para cinema. A Elizabeth II de Helen é uma jóia de rigor, mas, se é possível afirmar-se isso, sua Elizabeth I é melhor ainda, uma criação totalmente ficcional de uma atriz que sabe usar todo o arsenal de recursos de que dispõe - a voz, o corpo, os gestos, os olhares, tudo. A Elizabeth I de Helen era a rainha tirana, testando os limites do seu poder. Sua Elizabeth II é uma rainha em crise. Isso abre espaço para que o filme, embora se chame A Rainha, seja também (ou até mais) sobre Tony Blair.

Antes de se lançar a este filme, Stephen Frears fez, para TV, uma minissérie sobre o premier britânico e a forma como pavimentou seu caminho para o poder. Pode-se explicar facilmente o interesse do autor pelo personagem - Frears adora filmar relações perigosas, e não por acaso, fez o filme que leva este título -, mas é bom lembrar que, em seus filmes dos anos 80, ele foi um crítico contundente da Inglaterra dos excluídos que a Dama de Ferro, a então primeira-ministra Margaret Thatcher, desenhava com sua rígida política neoliberal. Um premier trabalhista como Blair deveria iniciar uma nova era, mas ele alinhou seu governo à geopolítica do presidente George W. Bush. Virou saco de pancada da Inglaterra (e de Frears).

A Rainha, o filme, focaliza um período bastante tumultuado da vida de Elizabeth II, aquele que se seguiu à morte da princesa Diana. Lady Di, por seu comportamento, não era exatamente uma figura palatável para a rainha. As circunstâncias de sua morte, muito menos. Mas Elizabeth II revelou-se, diante da morte, um caso singular de insensibilidade pública. Lady Di era amada pelos ingleses, era a chamada 'princesa do povo'. O povo sentiu sua morte como se fosse um deles. O Palácio de Buckingham, e a rainha, se mantiveram à margem do sentimento popular. Frears mostra os esforços de Tony Blair para fazer a rainha mudar seu comportamento.

Jovem ainda, ele poderia ser apenas mais um dos primeiros-ministros com quem Elizabeth II conviveu desde que subiu ao trono, no começo dos anos 50. Mas, como Frears registra com sua câmera, o primeiro-ministro dos trabalhistas terminou sendo o homem que salvou a realeza num momento crítico. Seu comportamento, no episódio Diana, lhe aumentou a estima popular - o que ele perdeu agora, por causa do apoio a Bush que está impondo tantos sacrifícios humanos na guerra do Iraque. No final, a rainha pode agradecer a Tony Blair por sua intervenção, mas ela adverte que poderá ocorrer o mesmo com ele. Ela também era amada, até desagradar ao povo. O Tony Blair de A Rainha pode ser o bem amado , mas o quadro hoje é outro.

Como compor uma personagem como essa rainha que tem estado sob os holofotes a vida inteira? Helen Mirren se transforma na imagem de Elizabeth II vista num espelho. Colocadas lado a lado, seria difícil, talvez, saber quem é quem. Ela incorporou a exterioridade da rainha, mas isso é só metade do seu esforço. Era preciso iluminar também seu interior. Talvez seja impossível penetrar na mente da rainha, mas Helen e Frears oferecem uma interpretação fascinante dos seus motivos. Vão além - transformam a rainha numa cabeça dura, obstinada, e depois filmam seu recuo tático. É um exercício fascinante. Como Elizabeth I, Helen foi mais livre, pois, se temos registros iconográficos da rainha, não temos a sua figura em movimento, nem a sua voz, os seus gestos (exceto aqueles celebrizados pelo cinema). Em A Rainha, o modelo está sempre presente, e Helen o segue, como quem mimetiza o outro. A questão é ir além da exterioridade. É aí que entra o grande talento de Helen Mirren criando o interior daquela metade externa tão perfeita, tão impressionante.

Spoiler Rating: 95
LBC Rating: 71


Por Luiz Carlos Merten - Estado de São Paulo

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