São muitas as entradas possíveis no filme de Lars von Trier, muitas as camadas de sentido que ressoam; porém talvez convenha começar pela impressão mais saliente: sente-se que se trata de um filme-limite numa época-limite. Como se o passado, o presente e o futuro do cinema convergissem numa obra para encenar a paixão do homem do século 20 - e o modo como o cinema pode contribuir para redimi-lo. Como se a visão da nossa época e na nossa época, mas também como se a cegueira dela e a nossa, fossem inseparáveis da experiência do cinema e só pudessem ser apreendidas no escuro de uma sala, diante de uma tela em que imagens e sons elaboram a crise e o renascimento dessa arte enquanto crise e renascimento do homem contemporâneo.
DANÇANDO NO ESCURO nos co-move não só por causa de seu enredo ou mesmo do modo como Trier filma um melodrama; não só pela interpretação de Björk, que atualiza, sem no entanto procurar imitá-la, a Joana d'Arc de Falconetti, na obra-prima de Dreyer; nem pelo magistral emprego da tecnologia digital, que permite a Trier imprimir às imagens e à trilha sonora ritmos e tratamentos diferenciados, fazendo-nos passar da vida ao sonho e novamente à vida de modo nunca visto.
DANÇANDO NO ESCURO nos co-move porque nele alguém se sacrifica no presente para que a geração futura possa ver. Essa é, no meu entender, a questão fundamental tratada por Trier. Como lidar com a cegueira que progressivamente toma conta de nós? Como fazer para que nosso legado não seja uma herança negativa, mas a possibilidade de recuperação da visão? Como aceitar o sofrimento agora para que o outro seja salvo no futuro? Como saber morrer para libertar o outro da condição que o aprisiona e compromete? Como salvar-se por meio da salvação do outro?
Spoiler Rating: 78
LBC Rating: ~
Por Laymert Garcia dos Santos
Nenhum comentário:
Postar um comentário