13.7.07

A Maldição da Flor Dourada


Existe uma onda anti-Zhang Yimou desde "Herói", incorporada por adeptos de uma citação que, imagino, seja do Sganzerla (algo nas linhas de: "filme de época é aquele filme que, já que não tem conteúdo, só resta ao sujeito espalhar palha e cocô de cavalo pelo cenário"). Acusam Yimou de fazer filmes carnavalescos, cafonas, ou seja, repletos de estrume. Em cima de "Herói", a discussão fica acalorada. Em cima de "O Clã das Adagas Voadoras", meio indiferente. É após a interminável sessão de "A Maldição da Flor Dourada" que o indivíduo pode reconhecer e admirar a rígida disciplina visual e a humildade por trás da realização de "Herói". Aquele era um filme alheio ao hype, à especulação, o que não é o caso das incursões seguintes de Yimou no gênero de artes-marciais.

Já em "O Clã das Adagas Voadoras", Yimou mostrava perder contato com aquilo que fazia de "Herói" tão envolvente. Passa da cinepoesia nacionalista (e o filme permanece uma das mais belas - e moralmente discutíveis - bandeiras políticas atuais) para uma cinemúsica da Celine Dion repleta de lugares-comuns e estilizações escandalosas, apoiando-se no deslumbre fotográfico para cobrir as falhas narrativas (o próprio Takeshi Kaneshiro ficou célebre por dizer em entrevista: "para mim, não fazia o menor sentido que os dois personagens se apaixonassem, mas era assim a visão de Yimou, então nós respeitamos.") Sem conseguir funcionar enquanto narrativa poética, Yimou retornou à prancheta de rascunhos e repensou os fatores que fizeram o primeiro filme funcionar.

A despeito da coreografia das lutas ("A Maldição..." não é um wuxia pian, inclusive), ou de uma trama forte, Yimou privilegia estritamente o visual e, Jesus Cristo, o filme é o "Batman & Robin" chinês e Yimou o novo Joel Schumacher. Olhar diretamente para a tela é um desafio hercúleo e a retina precisa fazer constantes pit-stops no escuro (olhando para o sapato, o braço da poltrona, o sinal luminoso de "Saída" que fica cada vez mais atraente a medida que o filme avança) para reabastecer as energias. Me deu vontade de enfiar a cabeça contra aquele prego enferrujado na parede só para fazer a dor de cabeça parar. Com 85% do filme passado dentro do Palácio Imperial, uma orgia da direção de arte e da fotografia, o visual do filme é uma besta hípercolorida em que, apesar da predominância fascista do dourado, todas as cores possíveis são proletariamente inclusas, dispersas, sem sindicância. Nunca eu quis tanto ter um olho de vidro, portátil, retirável.

É como uma edição do Medalhão Persa gravada dentro do Chaika. Em Technicolor.

É como um Ursinho Carinhoso vomitando um arco-íris.

É como o Clóvis Bornay fantasiado de "Ave do Paraíso Psicodélica" estuprando o Joãozinho Trinta numa piscina de jujubas suspensa no alto de um carro alegórico.

Porque, apesar de visualmente insuportável, a trama do filme consegue interessar. Abandonando as filosofias de botequim chinês, "A Maldição..." tal qual o superior "The Banquet" aposta numa trama essencialmente shakespeariana: sob a Dinastia Tang, às vésperas do Festival do Crisântemo (apoiado pela Petrobrás e pela Lei Rouanet), a Imperatriz fica chocada com as notícias que seu detestado marido, o Imperador (Chow Yun Fat), retorna antecipadamente ao palácio. Ao que a Imperatriz sofre pelo amor do enteado (que deseja partir do palácio e mantém um caso com a filha do médico imperial), o Imperador conspira a morte de sua esposa, visando sua herança territorial. Os filhos do casal são manipulados pelos pais e uma grande fissura familiar ganha proporções trágicas. É um "A Guerra dos Roses" em grande escala.

"A Maldição da Flor Dourada" é apenas uma vitrine para um bando de conquistas técnicas (o maior set construído na China, a produção mais cara já realizada no país, o maior número de extras numa cena de batalha, etc.) de um país industrialmente bem sucedido. Seria até aceitável que Yimou dispensasse o excesso de cenas de lutas de artes-marciais para privilegiar o desenvolvimento dos personagens (o que não é o caso, já que são muitos e as histórias paralelas não são exploradas melhor), mas ele apenas as substitui por derivativas cenas de combates entre numerosas guardas, idênticas aos Senhores de Roscas da vida. A vida de momentos promissores como o ataque dos ninjas é podada por esse comercial sobre o potencial econômico da China. Fica chato. De Hollywood já basta uma.

Uma pena, já que o filme, em seus momentos mais comedidos, consegue divertir. Não há um personagem realmente simpático ou virtuoso em todo o elenco, transformando a trama num divertido festival de escrotice por todas as partes. Chow Yun Fat e Gong Li estão deliciosos, com atuações histéricas às proporções da produção que participam, o popstar Jay Chou se destaca como o filho-soldado e um clímax envolvendo uma surra de cinto pra fazer vovó aplaudir de pé. Infelizmente, essas qualidades não são evidentes no mar de poluição visual que violenta a tela.

O que há de reconfortante em "A Maldição da Flor Dourada" é que apesar da história intrigante, o filme é um porre. Ele nos relembra que cinema não é trama, uma historinha para boi dormir, teleteatrinho (ao contrário da impositiva mentalidade do público comercial, conformado em consumir o mesmo filme com cartazes diferentes), cinema sempre é imagem e ela precisa ser ideal. O roteiro não resiste às pressões de sua encarnação visual inadequada, a imagem erode a narrativa, o filme desaba.

Spoiler Rating: 60
LBC Rating: 55


Por Bernardo Krivochein - Zeta Filmes

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