
"O Bom Pastor" reúne tudo isso, como um pequeno compêndio (se "pequeno" for adequado para um filme de quase três horas) sobre a mitologia da espionagem no cinema.
Qual espionagem? A altamente profissional, patrocinada pelo Estado, com fins supostamente nobres (a defesa dos interesses nacionais) a justificar meios duvidosos, quando não criminosos.
Matt Damon como protagonista talvez sugira algo na linha da série inaugurada com "A Identidade Bourne" (2002), mas navega-se aqui por outros mares, também revoltos: a formação da CIA, a agência de inteligência dos EUA.
A trama desdobra-se em dois tempos, ambos relacionados a Edward Wilson (Damon). Quando o conhecemos, em abril de 1961, ele tem a aparência burocrática de um funcionário público de carreira em Washington. Sua rotina resume-se a ir de casa para o escritório e vice-versa. De ônibus.
O local de trabalho fica, simbolicamente, no subsolo de um prédio, nas entranhas do poder. O clima por ali está agitado graças à malograda tentativa de invasão de Cuba pelos EUA. O inexpressivo Wilson trabalha na CIA, mas não se sabe direito se apenas para a CIA.
Enquanto cresce a tensão nos bastidores da crise, visitamos a juventude do personagem, a partir de 1939, quando estudava em Yale e foi convidado a participar de uma irmandade bem seletiva.
As idas e vindas no tempo apresentam as circunstâncias de criação da CIA, mas se dedicam também à investigação da personalidade de Wilson, alma solitária, torturada pela perda de identidade e privacidade que as suas "irmandades" procuram lhe impor.
Em seu segundo longa como diretor, Robert De Niro (que faz breves aparições, como um militar da comunidade norte-americana de informações) parece tão interessado pelo que se passa dentro de Wilson quanto pelo menino sob fogo cruzado de "Desafio no Bronx" (1993).
"O Bom Pastor" desenha seu protagonista como rapaz arguto que, definido em parte por uma lembrança terrível da infância, teria provavelmente sido mais feliz como professor de poesia e marido de uma estudante surda, mas terminou casado com uma deusa (Angelina Jolie) a quem não dá atenção porque sua amante é a CIA.
Experiente na costura de ficção com eventos e personagens verídicos, o roteirista Eric Roth -que ganhou o Oscar com "Forrest Gump" (1994) e escreveu "O Informante" (1999), "Ali" (2001) e "Munique" (2005)- faz parecer que tudo, em Wilson e na CIA do filme, é "inspirado em fatos reais", mas sua história sugere que preferiu flertar com um cruzamento entre os espiões do escritor inglês Graham Greene e os de Hollywood.
Spoiler Rating: 82
LBC Rating: 56
Por Sérgio Rizzo - Folha de São Paulo
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